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Saúde
Uso estético de canetas emagrecedoras cresce e acende alerta de médicos e autoridades
Ozempic, Wegovy e Mounjaro são usados sem receita e sem indicação clínica, enquanto PF mira quadrilha de tirzepatida e entidades como Anvisa, Abeso, SBEM e Cremesp alertam para riscos graves e até morte
01/12/2025 às 06:05por Redação Plox
01/12/2025 às 06:05
— por Redação Plox
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A advogada carioca Gabriela, de 40 anos, conta que tentou de tudo para perder os quilos extras ganhos durante a pandemia de covid-19: seguiu dietas rigorosas e manteve uma rotina intensa de treinos na academia, seis dias por semana.
Nada funcionou, relata ela, que preferiu não ter seu nome verdadeiro divulgado.
Foi a partir das conversas com amigas que usavam as chamadas “canetas emagrecedoras” e elogiavam os resultados que Gabriela decidiu seguir o mesmo caminho. Apesar da aparência atlética, com 1,69 m de altura e 76 kg, ela resolveu testar o medicamento.
Com o aumento da popularidade desses medicamentos, especialistas chamam atenção para os riscos do uso
Foto: Reprodução/ MillaF / Shutterstock
Uso por conta própria e sem indicação médica
Em fevereiro de 2024, Gabriela comprou suas primeiras canetas de Ozempic em uma farmácia no Rio de Janeiro, sem receita médica e fora dos critérios clínicos de prescrição. Começou a usar o remédio por conta própria, sem acompanhamento profissional.
Os efeitos apareceram rapidamente. Ela descreve uma redução drástica do apetite, que se refletiu na quantidade de comida que passou a consumir em situações cotidianas, como refeições em restaurantes.
Desde então, Gabriela segue usando o produto de forma intermitente. Ela associa o uso das canetas à melhora da própria percepção corporal diante do espelho, o que, para ela, repercute em outras áreas da vida.
Ao mesmo tempo, médicos e entidades de saúde alertam que o uso das canetas emagrecedoras sem indicação e sem supervisão pode ser perigoso e, em casos extremos, levar à morte.
De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), esses medicamentos só podem ser vendidos com receita e devem ser reservados a pessoas que atendam às indicações aprovadas, em geral pacientes com obesidade ou diabetes tipo 2.
Operação contra venda ilegal e influência nas redes
Nesta quinta-feira (27), a Polícia Federal deflagrou uma operação contra uma quadrilha acusada de fabricar e vender ilegalmente tirzepatida, princípio ativo das canetas de Mounjaro, medicamento com efeito semelhante ao de Ozempic.
Entre os alvos de busca e apreensão está o médico Gabriel Almeida, que mantém consultório no bairro Jardim Europa, área nobre de São Paulo.
Ele é suspeito de intermediar médicos para receitar o produto, captar pacientes e usar as redes sociais — onde reúne mais de 750 mil seguidores — para comercializar o medicamento e o tratamento para emagrecimento como se fossem atividades regularizadas.
A defesa de Gabriel Almeida nega envolvimento na fabricação, manipulação e venda do remédio e afirma que a relação dele com a tirzepatida é de caráter científico e acadêmico. Também sustenta que o médico não faz propaganda de produtos ilegais, mas promove debate técnico sobre medicações de referência e alternativas da chamada medicina personalizada.
Como atuam as canetas emagrecedoras
As canetas emagrecedoras vêm transformando a abordagem de tratamento da obesidade e de outras condições relacionadas ao peso.
Conhecidos por marcas como Ozempic, Wegovy e Mounjaro, esses medicamentos injetáveis imitam o hormônio GLP‑1, liberado após as refeições, que ajuda a controlar o apetite e prolonga a sensação de saciedade. No caso de Mounjaro, há ainda ação sobre outro hormônio, o GIP.
Embora as regras variem entre países, em geral os fármacos são indicados para adultos com obesidade — índice de massa corporal (IMC) acima de 30 — ou pessoas com IMC entre 27 e 30 que tenham alguma condição relacionada ao peso, como diabetes, hipertensão ou doenças cardiovasculares.
Na prática, porém, o uso estético vem crescendo, com pessoas recorrendo às injeções para perder alguns quilos, mesmo sem necessidade médica comprovada.
Critérios médicos e mudanças nas diretrizes
Quando começou o tratamento, Gabriela tinha IMC de 26,6, faixa classificada como sobrepeso leve. O índice, porém, não distingue massa muscular de gordura, o que pode levar indivíduos mais atléticos a serem considerados acima do peso, mesmo com boa saúde.
Na época, ela estava abaixo do limite recomendado para prescrição e não tinha qualquer condição clínica que indicasse o uso do medicamento.
Em junho deste ano, o Brasil ampliou os critérios de prescrição para remédios de perda de peso, permitindo o uso também em pacientes com IMC abaixo de 30, desde que passem por avaliação clínica prévia.
As novas diretrizes, divulgadas pela Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) em conjunto com 15 sociedades médicas, passaram a considerar também medidas como circunferência da cintura e relação cintura/altura.
"Estes são medicamentos aprovados para tratar condições como diabetes ou obesidade — eles não são ferramentas cosméticas", explica a médica endocrinologista Simone van de Sande Lee, diretora do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
Simone van de Sande Lee
Segundo ela, familiares, amigos e até colegas médicos frequentemente perguntam onde conseguir o medicamento.
Nos Estados Unidos, a vice-presidente da Associação de Medicina da Obesidade, Bharti Shetye, que atua em diversos países, relata que ouve muitos casos de uso apenas por razões estéticas.
Impacto das redes sociais e celebridades
Plataformas como TikTok e Instagram estão repletas de fotos e vídeos de “antes e depois” de pessoas que usaram as canetas emagrecedoras. Celebridades também têm falado abertamente sobre o tema.
Em agosto, a tenista americana Serena Williams tornou público o uso dos medicamentos. A atriz e cantora britânica Kelly Osbourne, que também recorreu às canetas, disse em entrevista em 2024 que vê nelas uma alternativa a formas tradicionais de emagrecimento que considera mais monótonas, como exercitar-se regularmente.
O apelo estético e a promessa de resultados rápidos atraíram também Andrew, executivo britânico de 49 anos. Incomodado com a aparência e relatando sensação de inchaço, ele decidiu recorrer às canetas após as festas de fim de ano, disposto a “resolver” o problema de algum modo.
Com 1,83 m de altura e cerca de 90 kg, Andrew frequentava academia com regularidade e tinha IMC de 26,9, abaixo do limite para prescrição no Reino Unido. Mesmo assim, obteve as canetas por meio de uma farmácia online, preenchendo apenas uma autoavaliação, sem checagem dos dados nem avaliação mais detalhada da adequação do tratamento.
No início de 2024, começou a aplicar semanalmente Wegovy e, depois, Mounjaro. O peso caiu rapidamente. Assim como Gabriela, ele também pediu para não ter o nome verdadeiro revelado.
Andrew relata uma queda quase imediata na vontade de comer. Mesmo mantendo a rotina de vida social intensa, com festas e jantares em restaurantes, passou a consumir porções bem menores e afirma não sentir mais o impulso exagerado por comida que tinha antes.
Efeitos colaterais e riscos desconhecidos
Apesar de relatos positivos como os de Gabriela e Andrew, especialistas ressaltam que todo medicamento envolve riscos e que ainda há muitas incertezas sobre o uso ampliado das canetas emagrecedoras.
Versões mais antigas dos fármacos baseados em GLP‑1 já eram utilizadas no início dos anos 2000 para tratar diabetes tipo 2. Mas foi apenas nos últimos quatro anos que ganharam grande popularidade, com aprovações regulatórias específicas para perda de peso em vários países.
Especialistas destacam que boa parte do conhecimento disponível se baseia no uso contínuo e sob supervisão médica. Práticas como uso intermitente, por conta própria ou apenas com foco estético, dificultam a avaliação dos efeitos em longo prazo.
Há consenso de que, para pessoas com obesidade ou diabetes, as pesquisas indicam um perfil de segurança considerado relativamente favorável. Porém, ao ampliar o uso a milhões de indivíduos saudáveis e sem indicação clínica, cresce a possibilidade de se observar efeitos adversos raros com mais frequência.
Entre os efeitos colaterais mais comuns estão náusea, vômito, diarreia e constipação. Já os mais raros e graves incluem gastroparesia — quando o estômago desacelera ou praticamente para de funcionar — e uma condição ocular incomum associada à perda de visão.
Recentemente, uma mulher de 31 anos, da Paraíba, morreu após usar o medicamento por conta própria. Segundo o médico legista, ela apresentou queda acentuada na glicemia, perdeu a consciência e sofreu broncoaspiração, o que levou ao óbito.
Para o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), o episódio reforça a necessidade de evitar automedicação e buscar orientação profissional.
Em nota, a entidade ressaltou que o uso indevido das canetas emagrecedoras pode provocar eventos graves e até fatais quando feito sem prescrição e sem acompanhamento médico.
Gabriela afirma que, até agora, só sentiu uma dor leve no estômago, que atribui à combinação de jejum e consumo de álcool durante o uso do remédio. Ela diz que passava por um período de vida conturbado quando intensificou o uso das injeções.
Venda online e brechas de controle
Um dos desafios apontados por especialistas é garantir que as canetas emagrecedoras sejam usadas apenas por quem tem indicação e receita médica.
No Reino Unido, a venda é, em tese, restrita a pacientes com prescrição. Porém, médicos e usuários ouvidos pela BBC afirmam que algumas farmácias online fazem apenas checagens mínimas, baseadas em formulários de autoavaliação.
Com esse tipo de sistema, é possível burlar a triagem, inclusive por adolescentes com transtornos alimentares que se façam passar por adultos obesos para obter o medicamento, o que especialistas classificam como extremamente perigoso.
Em março de 2025, cerca de 1,5 milhão de pessoas no Reino Unido usavam canetas emagrecedoras, sendo 95% das compras realizadas pela internet, segundo dados da empresa de inteligência de mercado IQVIA.
Diante das preocupações com uso indevido, segurança e falta de oferta, o Conselho Geral de Farmácia do Reino Unido endureceu, no início do ano, as regras para venda e prescrição desses produtos no ambiente online.
No Brasil, medidas semelhantes também foram adotadas. Em abril, a Anvisa passou a exigir a retenção da receita médica para a venda das canetas, regra que entrou em vigor em junho. A agência também proibiu a manipulação da semaglutida, princípio ativo presente em medicamentos como Ozempic e Wegovy.
Perda de músculo e efeito sanfona
Outro ponto de atenção é o impacto das canetas emagrecedoras na composição corporal. Especialistas alertam para o risco de perda de massa muscular, e não apenas de gordura, sobretudo em pessoas mais magras.
Indivíduos que já têm pouco peso a perder e seguem dietas muito restritivas tendem a perder proporcionalmente mais músculo. Se, depois, recuperam o peso, a recomposição costuma ser mais gordurosa, piorando o equilíbrio entre massa magra e gordura e alimentando o ciclo de “engorda e emagrece”, associado ao aumento do risco de ganho de peso no longo prazo.
As canetas são aplicadas semanalmente no braço, coxa ou abdômen, com doses aumentadas progressivamente. No entanto, tanto Gabriela quanto Andrew relatam uso intermitente: ela pausa o medicamento antes de festas para poder comer mais; ele faz ciclos antes de períodos de férias, interrompe por alguns meses e depois retoma.
Além dos riscos físicos, profissionais de saúde apontam efeitos psicológicos. Muitos pacientes acreditam que a perda de peso trará automaticamente felicidade ou aceitação social — expectativas que costumam ser pouco realistas. Quando interrompem o remédio e o peso volta a subir, não raro se sentem fracassados.
Especialistas lembram ainda que o corpo tende a resistir à manutenção da perda de peso ao longo do tempo. Com o emagrecimento, hormônios da fome aumentam, o metabolismo desacelera e o organismo tenta retornar ao chamado “ponto de equilíbrio”. Ao suspender as canetas, que suprimem esses sinais de fome, a tendência fisiológica é recuperar parte do peso.
Por isso, o uso contínuo e prolongado é recomendado apenas para pacientes com indicação clara, dentro de um plano de tratamento mais amplo.
Dependência, expectativas e custo de longo prazo
Apesar dos alertas, nem Gabriela nem Andrew pretendem interromper o uso.
Ela relata sentir-se dependente do medicamento para manter a forma desejada. Já ele enxerga as injeções como um compromisso permanente com a aparência, comparável a outros procedimentos estéticos que imagina manter por toda a vida.
Na prática, o uso estético e intermitente das canetas emagrecedoras, fora dos critérios médicos tradicionais, expõe uma tensão crescente entre o avanço de terapias eficazes contra a obesidade e a busca por resultados rápidos em corpos já considerados saudáveis, num cenário em que riscos, efeitos duradouros e impactos sociais ainda estão longe de ser totalmente compreendidos.
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