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Explode busca por tratamento para vício em jogos de azar

Com 80% dos pacientes com ideação suicida e espera média de oito anos até o tratamento, programa de referência suspende triagens por alta demanda, enquanto especialistas alertam para “bomba-relógio” e falta de estrutura no SUS

01/12/2025 às 11:30 por Redação Plox

O número de pessoas em busca de ajuda para o vício em jogos de azar disparou em São Paulo. Além de dívidas e conflitos familiares, a associação do transtorno do jogo com outros problemas de saúde mental acende um alerta entre especialistas.


Cerca de 80% dos pacientes que procuram tratamento no Programa Ambulatorial do Jogo (PRO-AMJO), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HCFMUSP), apresentam ideação suicida, de acordo com dados da instituição.


“Como com qualquer outra dependência, as pessoas têm resistência para falar, acham que não estão com problemas e que conseguem parar. No caso do jogo, é mais difícil ainda enxergar aquilo como uma dependência. As pessoas que desenvolveram transtorno demoram, em média, 8 anos para procurar ajuda. Quando elas chegam aqui, provavelmente já perderam tudo. Chegam sem ver luz no fim do túnel, já querendo tirar a própria vida”, afirmou o psicólogo do PRO-AMJO, Edilson Braga.


Desde 2023, o programa iniciou o tratamento de 66 pacientes. As triagens foram suspensas em 2024 devido à alta demanda e seguem interrompidas em 2025. Atualmente, a fila de espera reúne 285 pessoas.

Pesquisador do Programa Ambulatorial do Jogo da USP afirma que muitos dependentes só procuram ajuda quando já perderam tudo

Pesquisador do Programa Ambulatorial do Jogo da USP afirma que muitos dependentes só procuram ajuda quando já perderam tudo

Foto: Reprodção / USP imagens.


Demanda em alta e estrutura no limite

O transtorno do jogo está ligado a dificuldades financeiras e familiares, além de quadros de ansiedade, depressão e pensamentos suicidas. Em entrevista ao Metrópoles, Braga relatou que o PRO-AMJO montou uma força-tarefa para atender à demanda crescente e alcançar também quem está na fila de espera.


Nessa etapa inicial, o paciente participa de um atendimento psicoeducacional, voltado a explicar os riscos associados ao transtorno do jogo e a identificar casos mais graves, incluindo aqueles com ideações suicidas. Além das comorbidades, como ansiedade e depressão, o vício dobra o consumo de álcool ou nicotina entre os dependentes, segundo o programa.

Etapas do tratamento no PRO-AMJO

No Ambulatório, a primeira fase do atendimento tem foco em acolhimento e informação para quem permanece na fila de espera. São quatro encontros on-line, em que os pacientes recebem orientações iniciais.

Em seguida, eles passam por um protocolo de psicodiagnóstico até a admissão para o tratamento contínuo. Nessa fase, o paciente é avaliado por um psiquiatra, responsável por indicar o tratamento mais adequado, sobretudo para as comorbidades, como impulsividade, ansiedade e depressão.


Paralelamente, o dependente é encaminhado para psicoterapia em grupo ou individual, com duração aproximada de seis meses. Depois, continua em acompanhamento médico e pode ser inserido em outros grupos, como os de qualidade de vida e de educação física, para manter o suporte em longo prazo.


Em caso de recaída, há um grupo específico para reincidentes, com possibilidade de retorno à psicoterapia de acordo com a necessidade de cada paciente.

Saga de 30 km em busca de atendimento

Apesar da referência do Pro-Amjo no atendimento a dependentes de jogos de azar, a reportagem do Metrópoles encontrou dificuldades para localizar outros serviços na rede pública de saúde, mesmo em um estado que criou um programa para capacitação profissional e tratamento em centros especializados.


Ao todo, foram visitadas sete unidades: quatro Centros de Atenção Psicossocial (Caps), uma Unidade Básica de Saúde (UBS) e uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Após uma sequência de encaminhamentos sem sucesso e mais de 30 km percorridos, informações concretas e a possibilidade real de iniciar tratamento só apareceram no sétimo endereço.

“Bomba-relógio” na rede pública

Braga classifica a alta demanda por tratamento de dependentes em jogos como uma “bomba-relógio” prestes a explodir. Na avaliação dele, o Sistema Único de Saúde (SUS) não conseguirá absorver todos os casos nem dispõe de profissionais em número suficiente para isso.


“Infelizmente, não há especialistas sobre o transtorno do jogo no Brasil. Um programa especializado, como o do Ambulatório do Jogo Patológico, só existe no HC (Hospital das Clínicas)”, aponta Braga. “É bem complicado para a atenção do SUS, faltam profissionais. Muitas vezes, eles não sabem o que fazer e encaminham para nós. Os profissionais não estão preparados, tanto do ponto de vista da conduta medicamentosa quanto do ponto de vista psicoterapêutico”, diz.

Propaganda e influência das apostas

Na visão do pesquisador, é urgente rediscutir as regras sobre publicidade de apostas, frequentemente apontadas como um dos principais gatilhos para recaídas. Ele defende a vedação à participação de influenciadores digitais e celebridades nas campanhas de casas de apostas, em linha com proposta já aprovada no Senado e enviada à Câmara dos Deputados.

Questionário sobre dependência em jogos de azar

O Ambulatório do Transtorno do Jogo do Hospital das Clínicas elaborou 12 perguntas para ajudar a identificar a dependência em jogos de azar. A recomendação é buscar ajuda caso a resposta seja afirmativa em cinco ou mais itens:


• Quando você joga, você volta um outro dia para recuperar o que perdeu?
• Você já afirmou estar ganhando dinheiro com o jogo sem realmente estar, quando na verdade, você estava perdendo?
• Você já se sentiu culpado pela forma como joga ou devido às consequências do seu jogo?
• Você já quis parar de jogar, mas achou que não conseguiria?
• Você já escondeu comprovante de aposta, cartão de loteria, dinheiro de jogo ou outros sinais de jogo da sua esposa, dos filhos ou de outra pessoa importante para você?
• Você já discutiu com as pessoas com quem você mora a respeito de como administra seu dinheiro?
• Você já pegou emprestado dinheiro de alguém e não pagou devido ao seu hábito de jogar?
• Você já pegou emprestado dinheiro para jogar ou para pagar dívida de jogo de bancos, companhias de empréstimo ou companhia de crédito?
• Você já pegou dinheiro no cartão de crédito para jogar ou pagar dívidas de jogo?
• Você já trocou ações, apólices ou outros títulos por dinheiro para jogar ou pagar dívidas de jogo?
• Você vendeu propriedade pessoal ou da família para obter dinheiro para o jogo?
• Você já usou cheque especial ou cheque sem fundo para jogar ou pagar dívidas de jogo?


Outra frente considerada essencial por especialistas é o investimento em saúde. Pela lei que regulamentou as apostas em 2023, apenas 1% do valor arrecadado é destinado a ações de prevenção, controle e mitigação de danos sociais provocados pelos jogos de azar. Para Braga, campanhas de prevenção são fundamentais para desmistificar o transtorno e estimular a procura por tratamento.


“As pessoas deveriam realmente procurar ajuda, não ter vergonha, não achar que os dependentes são pilantras ou burros. As campanhas ajudam muito em mostrar que não se trata de burrice ou qualquer outra coisa, mas sim de uma dependência, porque as pessoas têm muita dificuldade em aceitar a dependência em jogos como doença. Tanto os familiares quanto os jogadores.”

O que dizem as autoridades de saúde

A Secretaria Municipal da Saúde informou que promove a qualificação contínua das equipes da Atenção Primária e dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) por meio de ações de educação permanente, que incluem discussões de casos, acompanhamentos conjuntos e capacitações, seguindo diretrizes do Ministério da Saúde.

Em São Paulo, as 479 Unidades Básicas de Saúde (UBSs) funcionam como portas de entrada para acolhimento, avaliação da equipe multiprofissional e encaminhamento dos pacientes, quando necessário, para um projeto terapêutico. A Rede de Atenção Psicossocial (Raps) conta com 103 Caps, que fazem o atendimento inicial sem necessidade de agendamento ou encaminhamento prévio.

Secretaria Municipal da Saúde

Já a Secretaria de Estado da Saúde (SES) afirmou que “apoia a implementação da política voltada à abordagem terapêutica da dependência em jogos de azar, oferecendo capacitação e suporte às equipes de saúde mental da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e da Atenção Básica em todo o estado de São Paulo”. Segundo a pasta, “nos próximos meses serão promovidas ações voltadas à formação de profissionais e ao fortalecimento de parcerias”.

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