Tumor raro transforma brasileira em negra; ela tenta na Justiça acesso ao tratamento
Sabrina Gomes enfrenta desafios para obter medicamento de alto custo necessário para estabilizar tumor no tórax e aliviar complicações graves
Por Plox
02/11/2024 10h06 - Atualizado há 2 dias
A fortalezense Sabrina Gomes, de 24 anos, vive uma batalha contra um raro tipo de tumor que afeta seu sistema hormonal e já trouxe inúmeras complicações graves, incluindo uma mudança na tonalidade de sua pele. A jovem espera há dez meses pela entrega de um medicamento que poderia estabilizar o tumor que compromete seriamente sua saúde. Em março de 2024, a Justiça determinou que a Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa) fornecesse o lutécio radioativo, substância essencial para seu tratamento, mas o medicamento ainda não foi entregue.
Um fato curioso da situação de Sabrina Gomes é a mudança na cor da pele, um dos efeitos mais visíveis e impactantes de sua condição, causada pelo excesso de ACTH produzido pelo tumor em seu tórax. O ACTH, hormônio que em condições normais é regulado pela hipófise, tem a mesma origem que o hormônio MSH, responsável pela produção de melanina, a proteína que dá cor à pele. No caso de Sabrina, os níveis elevados de ACTH enganaram os receptores das células, que passaram a entender o ACTH como se fosse MSH. Esse “equívoco” celular levou à produção excessiva de melanina, escurecendo a pele em várias partes do corpo. Esse efeito colateral surgiu após a retirada das glândulas adrenais, em 2022, um procedimento necessário para controlar os altos níveis de cortisol no corpo, outra consequência do tumor. No entanto, sem as adrenais, o ACTH continuou sendo produzido em excesso, resultando na hiperpigmentação de sua pele. Embora a equipe médica ainda não saiba se essa mudança é reversível, qualquer melhora na condição depende diretamente do sucesso no controle do tumor, que continua a se expandir e a complicar ainda mais a saúde de Sabrina.
"Minha pele escureceu bastante nesse tratamento todo", diz Sabrina, que também enfrenta dificuldades para falar e respirar, precisando fazer pausas frequentes nas atividades diárias devido ao cansaço. Recentemente, exames mostraram que ela também está com derrame pleural e pericárdico, uma acumulação de líquidos em torno do pulmão e do coração.
Uma luta judicial para acessar o tratamento
Para cobrir o custo do tratamento — aproximadamente R$ 130 mil por quatro doses do medicamento — Sabrina entrou na Justiça com apoio da Defensoria Pública da União em dezembro de 2023. O medicamento lutécio, que custa em média R$ 32 mil por dose, foi prescrito por uma equipe médica do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), onde Sabrina é atendida. Em março de 2024, o juiz concedeu uma decisão favorável obrigando a Sesa a fornecer o lutécio, mas até o momento, a Secretaria não concluiu a aquisição.
Diante da demora, a Justiça emitiu uma nova ordem em agosto de 2024 para que a Sesa acelerasse o processo de compra. Mesmo com a determinação, a pasta ainda não finalizou o procedimento, deixando Sabrina e sua família em uma espera angustiante. "A gente tem que ir lá, eu levo o papel dizendo da minha gravidade, mas não adianta nada", desabafa a jovem.
Tumor raro e complicações graves de saúde
Sabrina foi diagnosticada com timoma, um tumor localizado no tórax que provoca a produção anormal do hormônio ACTH, geralmente regulado pela hipófise. Esse aumento excessivo do ACTH estimula as glândulas adrenais a produzirem cortisol em níveis perigosos, o que levou Sabrina a desenvolver a Síndrome de Cushing. Esta síndrome está associada a sintomas debilitantes como hipertensão, acúmulo de gordura, cansaço extremo e dificuldades de cicatrização.
Tratamento proposto e o potencial do lutécio
A equipe médica da jovem propôs o uso de lutécio radioativo, um tratamento especializado que ataca diretamente as células tumorais. Esse radiofármaco é capaz de se ligar às células neuroendócrinas — como as que compõem o tumor de Sabrina — e destruir seu núcleo, o que reduz o crescimento do tumor e seus efeitos hormonais. "Essas células que produzem hormônios, que são células de linhagem neuroendócrina, em algumas situações elas captam, elas incorporam radiofármacos. O lutécio é um radiofármaco", explica Ana Rosa Quidute, endocrinologista que acompanha o caso de Sabrina.
A tentativa de estabilização e as dificuldades respiratórias
Apesar de todos os tratamentos anteriores, incluindo cirurgias, quimioterapia e radioterapia, o tumor de Sabrina continua a crescer e hoje atinge 17 centímetros, pressionando estruturas vitais no tórax, como o esôfago e a veia cava. A localização delicada torna uma cirurgia de remoção extremamente arriscada. "Recentemente fiz uma tomografia e descobri que estava com água no pulmão, que é um derrame pleural, e um derrame pericárdico. Tudo por conta do tumor", relata Sabrina.
Com a retirada das glândulas adrenais, realizada em 2022 para controlar os níveis de cortisol, Sabrina experimentou um alívio parcial dos sintomas hormonais, mas o tumor seguiu ativo e agravando sua condição. A mudança de cor da pele é um dos reflexos do desequilíbrio hormonal que persiste devido ao tumor.
Posicionamento da Secretaria de Saúde
Em resposta à TV Verdes Mares, Breno Novais, coordenador da Sesa, esclareceu que, por se tratar de um tratamento fora do rol de medicamentos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), a Secretaria teve que abrir um processo específico de dispensa de licitação para adquirir o lutécio de forma legal. "A gente abriu um processo de dispensa de licitação para atender de forma célere e segura a Sabrina. No primeiro processo que foi aberto, nenhuma unidade habilitada se cadastrou para a execução desse serviço", explica.
A Sesa informou ainda que um novo processo foi aberto com a intenção de agilizar a compra do medicamento. "Por tratar-se de uma medicação que não consta no rol do SUS, a Secretaria está seguindo todos os trâmites legais para a contratualização segura desse serviço, desse tratamento que a Sabrina tanto precisa", completou o coordenador.
Enquanto o processo de aquisição do lutécio se arrasta, Sabrina e sua família aguardam com esperança e ansiedade que a Secretaria de Saúde do Ceará viabilize o tratamento que pode significar uma melhora significativa em sua qualidade de vida.