Saúde

Insônia pode ser causada por ‘relógio mental’ desajustado, aponta estudo

Pesquisa da Universidade da Austrália do Sul revela que pessoas com insônia mantêm o cérebro em modo de pensamento linear e orientado a objetivos no período em que a mente deveria ficar mais onírica para favorecer o sono.

02/12/2025 às 08:31 por Redação Plox

Pessoas com insônia podem ter um “relógio mental” desajustado, que mantém o cérebro em modo diurno justamente na hora de dormir. A constatação vem de um estudo da Universidade da Austrália do Sul, publicado na revista científica Sleep Medicine, que comparou, ao longo de 24 horas, o padrão de pensamentos de adultos mais velhos com insônia e de bons dormidores.


Insônia pode ser um dos indícios de que a pessoa está enfrentando a síndrome de burnout

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Foto: shutterstock

Em condições de laboratório que eliminavam luz forte, mudanças de postura e tentativas de dormir, os pesquisadores observaram que quem tem insônia não reduz tanto – nem no horário esperado – a intensidade dos pensamentos orientados a objetivos. Em vez de “desligar”, a mente permanece em modo de raciocínio sequencial, o que ajuda a explicar a sensação de mente acelerada ao deitar.

Como o “relógio mental” foi colocado à prova

O trabalho reuniu 32 pessoas com mais de 55 anos: 16 com insônia de manutenção do sono – aquelas que acordam de madrugada e demoram a voltar a dormir – e 16 bons dormidores. Antes da etapa principal, todos foram submetidos a polissonografia, entrevistas e diários de sono, para excluir outros distúrbios e uso de medicamentos que pudessem interferir nos resultados.

Na fase central do experimento, os voluntários passaram por uma “rotina constante” de 26 horas em laboratório. Ficaram deitados em cama, sob luz fraca, sem cochilar, recebendo pequenos lanches a cada duas horas e sem café, álcool ou grandes estímulos. O objetivo era nivelar ao máximo o ambiente para expor apenas as oscilações internas do organismo, como o relógio circadiano.

Ao longo de 24 horas, a cada hora os participantes respondiam a uma escala que analisava oito aspectos dos pensamentos nos cinco minutos anteriores: se eram mais feitos de imagens ou diálogos internos, repetitivos ou em sequência, mais próximos de sonho ou de realidade, agradáveis ou desagradáveis. Também avaliavam o quanto sentiam controlar, monitorar e recordar esses conteúdos, além do grau de atenção ao ambiente externo.

Quando a mente não desacelera à noite

Em ambos os grupos, os cientistas identificaram um ritmo de 24 horas no funcionamento da mente. Pensamentos ligados a tarefas e à realidade ganhavam força durante o dia e iam se tornando mais raros, mais imagéticos e mais “oníricos” na madrugada. O controle voluntário, a atenção ao ambiente e a capacidade de lembrar o que se pensou também caíam à noite, como é esperado em um cérebro que se prepara para dormir.

A diferença apareceu na intensidade e no horário dessa virada. Entre bons dormidores, o contraste entre dia e noite foi mais nítido: a mente “desengatava” de forma mais profunda e no período que coincide com a biologia. Nas pessoas com insônia, essa variação foi mais achatada, com menos contraste entre o pico diurno e a calmaria noturna em aspectos como sensação de realidade dos pensamentos e controle sobre o conteúdo mental.

Outro ponto relevante foi o momento do pico de pensamento mais engajado – aquele em que o conteúdo mental se encadeia de forma lógica, como numa lista ou num planejamento. Entre pessoas com insônia, esse pico apareceu atrasado em cerca de 6h30, indicando que o cérebro permanecia em modo de raciocínio linear quando já deveria estar entrando em um estado mais solto, próximo do sonho.

Pensamento em corrente como marca da insônia

O padrão de pensamento sequencial foi um dos achados que mais chamaram a atenção dos pesquisadores. Bons dormidores alternavam períodos em que as ideias se repetiam com momentos em que seguiam em sequência. Já o grupo com insônia relatou, em média, mais pensamento linear de forma contínua, especialmente à noite.

Esse estilo mental, no qual uma preocupação leva a outra e assim sucessivamente, é descrito em estudos sobre ansiedade e depressão e aparece com frequência em relatos de quem tem insônia: a “mente que não para”, revisando o dia, planejando o seguinte, repassando problemas e riscos. Para os autores, isso sugere um traço cognitivo capaz de sustentar a vigília, independentemente do ambiente ou da tentativa de dormir.

Metodologia robusta, mas com limites

Um dos pontos centrais do estudo é o uso do protocolo de rotina constante. Ao manter todos acordados em condições controladas, os pesquisadores conseguiram diminuir o peso de respostas condicionadas ao ato de ir para a cama – como a ansiedade de deitar já esperando não dormir – e isolar melhor o componente biológico ligado ao relógio interno dos pensamentos. Esse tipo de protocolo é considerado sólido em pesquisas de cronobiologia.

Os autores, porém, destacam limitações claras. A amostra é pequena e formada apenas por adultos mais velhos com um tipo específico de insônia (manutenção), o que dificulta extrapolar os achados para pessoas mais jovens ou para quem sofre principalmente para iniciar o sono.

Os itens usados para descrever os pensamentos foram criados especialmente para o experimento e não passaram por validação psicométrica completa, o que reduz a precisão das medidas. Além disso, como o protocolo eliminou a pressão real de “precisar dormir para trabalhar no dia seguinte”, o cenário de laboratório pode ter atenuado parte da angústia e do hiperacionamento mental típicos da insônia em casa.

O que isso significa para o tratamento da insônia

Os resultados reforçam o modelo de hiperexcitação cerebral, em que o córtex pré-frontal – área ligada a planejamento, tomada de decisão e controle de pensamentos – não reduz sua atividade à noite como seria esperado. A partir daí, os autores apontam para intervenções que combinem duas frentes.

1 – Ritmos biológicos

Entre as estratégias estão a exposição à luz natural em horários adequados e a adoção de rotinas estruturadas ao longo do dia – com hora fixa para acordar, se alimentar, se exercitar e se afastar de telas – para reforçar o contraste entre dia e noite no relógio interno.

2 – Padrões de pensamento

Outra frente envolve técnicas de mindfulness e terapias cognitivas, que ajudam a observar pensamentos sem engatar em longas cadeias de preocupação. Também entram em cena ajustes em protocolos de terapia cognitivo-comportamental para insônia, com componentes voltados especificamente à tendência de pensar de forma encadeada durante a noite.

Segundo os autores, compreender a insônia como um problema que combina padrões cognitivos persistentes e alterações no ritmo circadiano pode abrir caminho para tratamentos mais personalizados, em vez de uma abordagem única para todos os pacientes.

Próximos passos da pesquisa

O estudo ajuda a explicar por que, para parte das pessoas, não basta deitar mais cedo ou “tentar relaxar” para conseguir dormir. O timing da própria mente pode estar fora de sincronia com o restante do corpo.

Os pesquisadores defendem que investigações futuras incluam amostras maiores, outros tipos de insônia e pacientes com ansiedade isolada, de modo a diferenciar melhor o que é específico da insônia e o que é compartilhado com outros transtornos mentais.
Informações relatadas pelo portal G1.

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