O Procon Paulistano notificou a Latam Airlines na última sexta-feira (28) para que a companhia preste esclarecimentos sobre a restrição ao uso dos sanitários localizados na parte dianteira das aeronaves. A prática, apelidada de “banheiro premium”, vinha sendo adotada em voos operados por aviões de corredor único.

Segundo o órgão, a medida pode violar princípios de dignidade, igualdade e isonomia, além de contrariar o direito à adequada prestação de serviços previsto no artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Na notificação, o Procon destaca que a cabine Premium Economy é apresentada no site da empresa como uma experiência diferenciada, com mais espaço, assentos ergonômicos, apoio de cabeça ajustável e bloqueio do assento central.

Para o órgão, a forma como o serviço é divulgado reforça um caráter de exclusividade atrelado ao pagamento adicional, o que, na avaliação do Procon, liga diretamente a oferta diferenciada à restrição do uso dos banheiros dianteiros.

Procon cobra esclarecimentos da companhia aérea

De acordo com a notificação, a Latam tem prazo de dez dias corridos para responder a uma série de questionamentos, sob risco de medidas administrativas previstas no CDC.

Entre os pontos que devem ser esclarecidos estão:

➡️ Justificativa técnica e operacional para limitar o uso dos sanitários dianteiros apenas aos passageiros das primeiras fileiras ou das classes superiores.

➡️ Detalhes sobre a comunicação aos consumidores, incluindo desde quando a restrição está em vigor, por quais meios foi divulgada e se o aviso foi apresentado de forma clara e transparente no momento da compra.

➡️ Informações sobre a operação das aeronaves, como:

a) Capacidade total de passageiros por modelo de avião;
b) Quantidade de sanitários disponíveis para a classe econômica e número de passageiros atendidos;
c) Número de sanitários exclusivos da cabine Premium Economy e total de passageiros atendidos.

Passageiros relatam insatisfação nas redes sociais

A limitação do uso dos banheiros dianteiros a passageiros das primeiras fileiras ou da cabine Premium Economy gerou forte reação de usuários nas redes sociais.

Um passageiro afirmou que a companhia teria “reinventado o conceito de ‘premium’… para o banheiro” e descreveu a nova regra como uma mudança que “surpreende até quem vive em aeroportos”, ao relatar que, em aeronaves com cerca de 200 passageiros, apenas poucos teriam acesso ao banheiro dianteiro.

Ele relata ainda que a medida provoca congestionamento na parte traseira da aeronave, desconforto generalizado, aumento da circulação de passageiros, maior tempo de permanência no corredor, crescimento do risco e ausência de benefício real para o público. Na publicação, questiona diretamente o CEO da Latam.

Outro usuário classificou a decisão como “não foi uma boa escolha”, ao mencionar a concentração de centenas de passageiros nas filas dos banheiros traseiros, enquanto o sanitário dianteiro ficaria reservado a um grupo reduzido.

Em outras postagens, passageiros também criticaram a percepção de tratamento diferenciado e afirmaram que deixariam de comprar passagens da companhia.

Latam alega seguir prática adotada no mercado mundial

Procurada, a Latam informou que responderá ao Procon Paulistano dentro do prazo estabelecido.

A empresa afirma que segue a prática mundial de uso de toaletes por cabine, com o objetivo de garantir privacidade e uma experiência adequada ao produto adquirido, em conformidade com normas da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) e com a legislação brasileira.

A companhia reforça que a divisão dos banheiros por cabine faz parte da configuração operacional das aeronaves e está alinhada a padrões internacionais. Mesmo assim, a tripulação pode autorizar o uso do banheiro dianteiro por outros passageiros em situações específicas — como atendimento a pessoas com necessidades especiais, emergências ou para equilibrar o fluxo de circulação a bordo.

A Latam, no entanto, não informou se estuda rever a regra ou promover ajustes para reduzir o impacto negativo relatado pelos passageiros enquanto prepara as respostas ao Procon.

Especialista vê possibilidade de prática abusiva

O advogado Léo Rosenbaum, especialista em direitos dos passageiros aéreos, avalia que a restrição ao uso do banheiro dianteiro pode ser enquadrada como prática abusiva pelo Código de Defesa do Consumidor.

O banheiro é serviço essencial no voo, e limitá-lo só a quem pagou premium viola o artigo 39, inciso II, que impede recusar atendimento pela disponibilidade técnica, além de ignorar a vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, I) e a isonomia constitucional (art. 5º da CF).

Léo Rosenbaum

Ele ressalta que o argumento de alinhamento a padrões internacionais não afasta a obrigação de fornecer informações claras e adequadas aos passageiros.

Para o advogado, divulgar a restrição apenas no site, sem aviso no aplicativo, no bilhete ou no momento do embarque, pode configurar omissão e até publicidade enganosa, além de contrastar com práticas adotadas por outras companhias.

Rosenbaum aponta ainda que, em âmbito internacional, há casos em que as cabines premium contam com banheiros exclusivos sem bloqueio dos sanitários comuns, e afirma que, no Brasil, não há precedentes que autorizem limitações que afrontem a dignidade do consumidor sem justificativa robusta de segurança operacional.

Se o Procon-SP confirmar a infração, as consequências podem incluir:

• Multas entre R$ 650 e R$ 10 milhões, nos termos do artigo 57 do CDC;
• Suspensão da oferta de produtos premium até a correção da prática, conforme artigo 56, inciso IV;
• Indenizações por danos morais individuais, em valores que, em casos semelhantes apreciados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), variam entre R$ 5 mil e R$ 12 mil.

O que inclui a cabine Premium Economy

A cabine Premium Economy já integra a operação da Latam em rotas nacionais e internacionais e é oferecida como um produto distinto da classe econômica.

No site da companhia, a empresa anuncia que, a bordo, o passageiro encontra um compartimento separado para a mala pequena e, conforme o modelo da aeronave, um banheiro de uso exclusivo para a cabine.

Além do sanitário exclusivo em alguns modelos, a Premium Economy oferece compartimento separado para bagagem de mão, tomadas USB em cada assento e acesso gratuito à plataforma de entretenimento em dispositivos portáteis.

Em voos internacionais, o produto inclui ainda acesso aos lounges da companhia em aeroportos como Santiago, Ezeiza, Bogotá, Miami e Guarulhos.