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Site que vendia encontros com homens coreanos 'iguais aos doramas' é investigado por exploração sexual

Kdramadate, ligado ao japonês Rikito Morikawa, oferece ‘experiências de dorama’ com pacotes íntimos em motéis e passeios por São Paulo e é alvo de apurações do Consulado da Coreia do Sul e da Associação Brasileira dos Coreanos

03/12/2025 às 08:15 por Redação Plox

Um site que comercializa encontros com homens coreanos em São Paulo, prometendo experiências “iguais aos doramas”, passou a ser investigado pelo Consulado Geral da República da Coreia do Sul na capital paulista e pela Associação Brasileira dos Coreanos. As entidades veem indícios de exploração sexual e uso indevido da cultura coreana como chamariz para o serviço.

Captura de tela exibindo a página inicial do site

Captura de tela exibindo a página inicial do site

Foto: Reprodução.



Na página do Kdramadate, no ar há pelo menos dois meses, o serviço é apresentado como uma oportunidade de “reviver a magia dos K-dramas com seu oppa”, com passeios românticos por cenários de São Paulo, sessão de fotos no estilo das séries asiáticas e frases sussurradas inspiradas em produções famosas. No Brasil, a palavra “dorama” popularizou-se para se referir especialmente às séries da Coreia do Sul.


A comercialização desses encontros chamou a atenção do consulado e da Associação Brasileira dos Coreanos após a identificação de que o responsável pela plataforma, um jovem japonês, convidava homens coreanos solteiros para participar de um “projeto” que incluía encontros, inclusive íntimos, com mulheres fãs da cultura asiática.


O Kdramadate é atribuído a Rikito Morikawa, de 23 anos, nascido em Hiroshima, no Japão. O advogado que o representava afirmou não falar com Rikito há cerca de dois meses, desde que ele disse que voltaria ao Japão e comentou que “trabalhava como namorado de aluguel com passeio em parques e motéis”. Segundo o defensor, ele não tem informações sobre convites feitos a coreanos.


Rikito Morikawa, 23 anos

Rikito Morikawa, 23 anos

Foto: Reprodução / Redes sociais.

Pacotes de encontro e proposta de experiência íntima

A plataforma anuncia quatro tipos de pacotes: experiência íntima em motel ou em uma casa; passeio em cafeterias da região do Bom Retiro ou da Avenida Paulista; jantar em churrascaria coreana tradicional; e passeio romântico no Parque Ibirapuera. Em todos, o foco é a recriação de cenas típicas de doramas, com direito a sessão de fotos e promessas de frases sussurradas como nas séries.


Exceto na “experiência íntima”, o site informa que os encontros com o “oppa” acontecem em locais públicos, como Liberdade, Bom Retiro e Parque Ibirapuera, e podem ser reservados por WhatsApp. Também indica que o pagamento pode ser feito por PIX, cartão de crédito, débito e transferência bancária, sem divulgar valores.


Um print encaminhado ao consulado como denúncia mostra uma conversa entre uma mulher e o responsável pelo site, na qual é informado que uma hora de encontro íntimo custaria R$ 70, e três horas, R$ 170. O Kdramadate usa fotos de um casal em passeios para ilustrar os pacotes, além de supostos depoimentos de clientes que teriam contratado o serviço.


O site desta empresa está fora do ar, e as últimas publicações nas redes sociais datam de 2020.


Tipos de encontros disponíveis na plataforma

Tipos de encontros disponíveis na plataforma

Foto: Reprodução.


Denúncias e indícios de exploração sexual

Diante das denúncias, o Consulado Geral da República da Coreia do Sul em São Paulo e a Associação Brasileira dos Coreanos passaram a apurar o caso e divulgaram dois comunicados em redes sociais. No primeiro, em 23 de outubro, o consulado pediu que possíveis vítimas de estelionato se manifestassem. No segundo, de 31 de outubro, o órgão informou que, após depoimentos e análise de provas, a situação apontava para crime de exploração sexual, e não apenas para eventual golpe financeiro.


Segundo o presidente da Associação Brasileira dos Coreanos, Bruno Kim, a existência do site chegou à entidade por meio de amigos e admiradores da cultura coreana, após o assunto ganhar repercussão nas redes sociais. Ele relata que, ao verificar o conteúdo do Kdramadate, foram identificadas inconsistências nas informações apresentadas e o uso de referências culturais coreanas como principal ferramenta de atração para os encontros.


Bruno afirma ainda que ele e o advogado criminal do consulado, Rafael Kang, foram ao endereço informado no site como sede do Kdramadate e constataram que o local era, na verdade, o Centro Cultural de Hiroshima, que teria tido o endereço usado indevidamente. Após uma notificação extrajudicial, Rikito retirou essa localização do site e passou a indicar um endereço na Vila Carrão, na Zona Leste de São Paulo.


Não há confirmação de que mulheres tenham contratado os encontros, mas que recebeu informações de que ao menos dez jovens coreanos foram convidados por Rikito para trabalhar na proposta divulgada pelo Kdramadate, incluindo encontros íntimos em motéis. As abordagens teriam sido feitas por mensagens no Instagram, no WhatsApp e também por ligações telefônicas, com a oferta de serviços sexuais que poderiam chegar a R$ 700.

Diferença entre prostituição e exploração sexual

A delegada de polícia titular da 2ª Delegacia de Defesa da Mulher da capital, Nadia Aluz, explica que, no Brasil, a prostituição adulta é legal quando o próprio indivíduo oferece o serviço sexual. Já a exploração sexual, que envolve a intermediação e comercialização do serviço prestado por outra pessoa, é crime, independentemente de a vítima ser maior ou menor de idade.


Ela ressalta que, enquanto a atividade de prostituição permite, inclusive, recolhimento de contribuição para o INSS, a exploração sexual deve ser investigada e punida. Até o momento, segundo nota enviada pela Polícia Civil, não há registros de denúncias criminais contra a empresa relacionados ao caso, e o Ministério Público informou não ter recebido comunicações formais sobre o episódio.

Cultura coreana, fetichização e reputação da comunidade

Bruno Kim destaca que o crescimento do K-pop e dos K-dramas no Brasil ampliou de forma significativa a visibilidade da cultura coreana, mas também abriu espaço para iniciativas que, segundo ele, exploram esse interesse de maneira questionável, de sites que prometem encontros com coreanos a anúncios de shows e serviços que não se concretizam.


Ele afirma que a associação e o consulado seguem ouvindo as pessoas que receberam propostas ligadas ao Kdramadate e que as informações coletadas devem ser encaminhadas às autoridades policiais e ao Ministério Público. Bruno ressalta ainda a importância de preservar a integridade cultural e a confiança construída pela comunidade coreana no Brasil desde a década de 1960, para evitar que casos assim se repitam.


A pesquisadora Daniela Mazur, especialista em cultura coreana, avalia que o caso escancara camadas de racialização, orientalismo e fetichização de homens asiáticos, sobretudo quando esse imaginário romântico é transformado em mercadoria. Para ela, a expansão de mais de uma década da cultura pop sul-coreana no país contribuiu para consolidar a figura de um “homem ideal” associado às produções românticas coreanas, populares nas plataformas de streaming.


Daniela aponta que o Kdramadate expõe um fetiche de raça em circulação, no qual homens asiáticos passam a ser vistos como “totens” de fantasias derivadas de ficções consumidas, reduzidos a uma raça e a um estereótipo, mais do que a indivíduos concretos.

Quem é o responsável pelo Kdramadate

No próprio site, o responsável pelos encontros se apresenta como Rick, descrito como “modelo internacional, com raízes que misturam o charme coreano e japonês, fluente em 4 idiomas, apaixonado pela cultura do Brasil” e que “transporta a magia dos doramas para a vida real” em São Paulo. Em suas redes sociais, onde soma cerca de 12 mil seguidores, ele se autodefine como “oppa apaixonado pelo Brasil”, com “experiências únicas em São Paulo”, além de se dizer especialista em marketing e fundador de duas empresas. O Kdramadate não é mencionado ali, e a última postagem é de setembro deste ano.


Em 5 de setembro deste ano, foi publicada no Diário Oficial da União a decisão da Coordenadoria-Geral de Imigração Laboral de cancelar a autorização de residência de Rikito Morikawa no Brasil. O ato, assinado pela coordenadora-substituta do setor, informa que o motivo original que justificou a permanência de Rikito no país deixou de existir, em consonância com o Decreto nº 9.199/2017.

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