Saúde

Uso prolongado de melatonina é associado a maior risco de insuficiência cardíaca e morte, indica estudo

Pesquisa com mais de 130 mil adultos com insônia crônica aponta até 90% de aumento no risco de insuficiência cardíaca e quase o dobro da mortalidade geral entre usuários de melatonina; especialistas veem dados como preliminares e pedem cautela, sobretudo em crianças

03/12/2025 às 07:02 por Redação Plox

A melatonina virou sinônimo de solução rápida para dormir melhor. Gotas, comprimidos e balas de goma prometem um sono mais longo e profundo, e os suplementos são facilmente encontrados em farmácias e supermercados – inclusive em versões voltadas a crianças. Mas o que é vendido como um inofensivo “hormônio do sono” esconde riscos que começam a preocupar especialistas.


Versão artificial do hormônio melatonina é buscada por pessoas com dificuldade para dormir

Versão artificial do hormônio melatonina é buscada por pessoas com dificuldade para dormir

Foto: Freepik

Um estudo recente conduzido nos Estados Unidos acendeu o alerta ao apontar que o uso prolongado de melatonina pode estar associado a um aumento do risco de desenvolver insuficiência cardíaca e de morte prematura, gerando repercussão internacional.

Os próprios autores do trabalho ressaltam que os dados não comprovam uma relação de causa e efeito. Ainda assim, consideram os resultados um forte indício de que o uso contínuo da substância pode ser mais do que uma estratégia aparentemente inofensiva para melhorar o sono.

Estudo associa uso prolongado a insuficiência cardíaca

O estudo foi apresentado em um congresso científico da Associação Americana do Coração (AHA). Pesquisadores de Nova York analisaram registros internacionais de saúde de mais de 130 mil adultos com insônia crônica.

Ao longo de cinco anos, eles compararam pacientes que tomaram melatonina por pelo menos um ano com aqueles que não utilizaram o hormônio.

De acordo com os dados, o grupo que fez uso de melatonina apresentou um risco cerca de 90% maior de desenvolver insuficiência cardíaca. O risco de hospitalização por essa condição foi 3,5 vezes mais alto, e a mortalidade geral no grupo de usuários quase dobrou em comparação com quem não consumiu o suplemento.

Limitações e críticas à pesquisa

Especialistas lembram, porém, que estudos apresentados em conferências científicas ainda não passaram pelo crivo da revisão por pares – processo em que pesquisadores independentes avaliam a qualidade e a consistência dos resultados antes de sua publicação em revistas científicas.

Por isso, as conclusões são consideradas preliminares. Entre as críticas já levantadas, está o fato de que o estudo não comprova que a ingestão de melatonina cause diretamente o aumento do risco de insuficiência cardíaca. A associação observada pode ser influenciada por outros fatores de saúde ou comportamentais.

Cientistas que não participaram da pesquisa também apontam uma dificuldade metodológica importante: em muitos países, a melatonina é vendida livremente, sem prescrição, o que facilita o consumo sem registro formal. Assim, parte das pessoas classificadas como não usuárias pode, na prática, ter tomado o hormônio, dificultando a comparação entre os grupos.

“Hormônio da escuridão”, não exatamente do sono

Apesar da fama, a melatonina não é propriamente um “hormônio do sono”, e sim um “hormônio da escuridão”. Ela não induz diretamente o sono, mas envia ao organismo o sinal de que está escurecendo.

Produzida naturalmente pela glândula pineal, no cérebro, a melatonina tem sua concentração aumentada no sangue quando a noite cai. Esse aumento funciona como um sinal para o corpo relaxar e regula o chamado ritmo circadiano – o ciclo que organiza os períodos de sono e vigília.

A luz do dia e as telas que emitem luz azul, como as de smartphones, suprimem a liberação do hormônio. Por isso, muitas pessoas com dificuldade para desacelerar à noite recorrem à versão sintética, bioquimicamente idêntica à produzida pelo organismo.

Há evidências de que a substância pode ajudar a estabilizar o ritmo do sono em situações pontuais, como após voos longos ou mudanças bruscas de fuso horário. O problema é que o uso diário, por longos períodos, atingiu proporções que preocupam médicos e pesquisadores.

Suplemento popular e pouco regulado

Nos Estados Unidos, a melatonina está entre os suplementos alimentares mais vendidos, muitas vezes em doses que superam em até cem vezes os níveis naturais do corpo.

Ao contrário de medicamentos, esses produtos não passam pelo mesmo rigor regulatório. A quantidade de princípio ativo pode variar bastante, inclusive entre diferentes lotes da mesma marca, o que torna o consumo ainda mais imprevisível.

“Natural” não significa seguro

"Os suplementos de melatonina são vistos como uma opção natural e segura”, disse o principal autor do estudo, o médico Ekenedilichukwu Nnadi, do SUNY Downstate Medical Center. "Mas nossos dados levantam sérias preocupações quanto à segurança.” Ekenedilichukwu Nnadi

Entre os efeitos colaterais mais relatados estão alterações de humor, agressividade, ataques repentinos de sono, dores de cabeça e exaustão.

A médica nutricionista Marie-Pierre St-Onge, diretora de um centro de pesquisa do sono e que não participou do estudo, considera a prescrição de melatonina excessivamente fácil em muitos contextos. Ela se diz surpresa com o fato de pacientes usarem o hormônio por mais de um ano, especialmente em países onde ele nem sequer é aprovado como tratamento de insônia. Para a especialista, a ampla disseminação do uso não encontra respaldo sólido na literatura científica.

Uso em crianças causa maior preocupação

Um dos pontos que mais alarmam médicos é o crescimento do consumo entre crianças. Em redes sociais, proliferam vídeos de pais elogiando as chamadas “balas para dormir”. Nos EUA, as vendas de gomas com melatonina para o público infantil dispararam em poucos anos.

Muitos desses produtos concentram doses elevadas: até 3 miligramas por unidade, o equivalente a cerca de 30 vezes a quantidade de melatonina que o corpo humano produz naturalmente à noite.

Autoridades de saúde dos Estados Unidos relataram um aumento acentuado dos casos de intoxicação por melatonina em crianças nos últimos anos. Pediatras em outros países europeus também vêm registrando mais episódios de overdose, tontura e mal-estar noturno associados ao uso do hormônio.

Outro ponto de atenção é o risco de dependência psicológica e fisiológica. O uso contínuo do suplemento pode levar o organismo a reduzir sua própria produção de melatonina, comprometendo ainda mais a regulação natural do sono e dificultando que a pessoa consiga dormir sem o comprimido ou a bala de goma.

Rituais de sono em vez de comprimidos

O sistema que regula o sono é delicado e altamente integrado. A melatonina atua de maneira profunda nesse circuito, e interferir de forma constante nesse equilíbrio pode trazer consequências maiores do que uma simples noite mal dormida.

Diante das incertezas sobre os efeitos de longo prazo, especialistas defendem prudência. A melatonina deve ser encarada como o que é: uma intervenção hormonal potente, não um simples comprimido para dormir.

No caso das crianças, a recomendação é ainda mais clara: em vez de substâncias químicas, elas precisam principalmente de rituais regulares de sono, ambiente escuro e silencioso. A tentação de recorrer a uma bala de goma pode ser grande, mas esse atalho interfere na essência do sono – uma capacidade que, na maioria dos casos, o próprio corpo é capaz de gerenciar melhor sozinho, sem interferências externas.

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