Saúde

Paciente com HIV fica seis anos sem sinais do vírus após transplante de células-tronco

Homem em remissão do HIV após transplante para tratar leucemia mieloide aguda não tinha mutação CCR5Δ32 em dose dupla, antes vista como central para 'cura funcional', aponta estudo aceito na Nature

03/12/2025 às 07:53 por Redação Plox

Um homem que vive com HIV está há mais de seis anos sem apresentar sinais do vírus no organismo após receber um transplante de células-tronco para tratar uma leucemia mieloide aguda.


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Foto: Banco de imagens/Pixabay

O caso, aceito para publicação na revista científica Nature, reforça a evidência de que a remissão duradoura do HIV pode ocorrer mesmo quando paciente e doador não carregam a mutação genética que, por décadas, foi considerada essencial para a chamada “cura funcional”.


A mutação CCR5Δ32, sobretudo quando herdada em dose dupla, bloqueia a entrada do HIV em células do sistema imunológico e esteve presente em parte dos poucos casos de remissão descritos até hoje. O novo estudo, porém, descreve um cenário diferente.


O artigo analisado é uma versão não editada do manuscrito, disponibilizada pela revista para acesso antecipado. Antes da publicação final, o texto ainda passará por revisão adicional, e os autores alertam que podem existir erros capazes de afetar o conteúdo.

Remissão prolongada sem terapia e sem mutação completa

De acordo com o manuscrito, o paciente é heterozigoto para a mutação CCR5Δ32 — ou seja, possui apenas uma cópia dessa variante genética. Nessa condição, o organismo ainda produz parte do receptor CCR5, uma espécie de “porta” usada pelo HIV para invadir as células de defesa.

O doador das células-tronco também era heterozigoto. Assim, nenhum dos dois tinha a forma completa da mutação capaz de bloquear totalmente essa porta de entrada do vírus.


O transplante foi realizado exclusivamente para tratar a leucemia. Três anos após o procedimento, com o câncer controlado, os médicos interromperam a terapia antirretroviral (TARV), tratamento padrão que mantém o HIV sob controle. Desde então, já se passaram mais de seis anos sem que o vírus voltasse a aparecer nos exames, o que indica uma remissão sustentada.

Vírus indetectável e reservatório profundamente reduzido

Ao longo do acompanhamento, os pesquisadores observaram:

• RNA do HIV indetectável no plasma;
• ausência de vírus replicativamente competente no sangue e em tecidos intestinais;
• queda acentuada de anticorpos e de células T específicas para o HIV, sugerindo baixa atividade viral;
• presença de HIV proviral intacto antes do transplante, mas nenhum sinal posterior de vírus funcional.

Esses achados apontam para uma redução profunda do chamado reservatório viral — o conjunto de células em que o HIV costuma permanecer adormecido e difícil de eliminar.

Resposta imune pode ter ajudado a eliminar células infectadas

O estudo também destaca um aspecto do sistema imunológico que pode ter sido decisivo: no momento do transplante, o paciente apresentava alta atividade de citotoxicidade celular dependente de anticorpos (ADCC).

Em termos simples, trata-se de um tipo de resposta imune em que anticorpos “marcam” células infectadas e outras células de defesa são recrutadas para destruir esses alvos.

Esse mecanismo pode ter contribuído para eliminar células que ainda abrigavam o HIV, ajudando a esvaziar o reservatório viral — os locais em que o vírus costuma se esconder.

Para os pesquisadores, o caso reforça uma mudança importante no entendimento da área: a mutação CCR5Δ32, vista por anos como peça central para alcançar a remissão do HIV, não é indispensável. O relato indica que outros caminhos biológicos também podem levar ao controle prolongado da infecção.

Um novo capítulo no debate sobre a cura do HIV

Antes deste relato, apenas seis casos de remissão sustentada haviam sido descritos, todos envolvendo transplantes de células-tronco em pacientes com cânceres hematológicos. Em muitos desses episódios, os receptores receberam células de doadores com duas cópias da mutação CCR5Δ32.

O novo caso mostra que mecanismos independentes dessa mutação podem levar a resultados semelhantes, ampliando o horizonte de possibilidades para futuras abordagens terapêuticas.

Segundo os autores, os dados ressaltam a importância de estratégias voltadas a reduzir de forma profunda o reservatório viral como caminho para terapias de cura no futuro.

Cura ainda é exceção, não regra

Apesar do resultado excepcional, o estudo reforça que a cura do HIV continua extremamente rara. Transplantes de células-tronco são procedimentos de alto risco, indicados apenas para tratar cânceres graves, e não configuram uma alternativa viável de tratamento para a população que vive com HIV.

Ainda assim, cada novo caso de remissão sustentada ajuda a esclarecer os mecanismos envolvidos no controle da infecção e orienta o desenvolvimento de terapias mais seguras, menos invasivas e escaláveis no futuro.

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