Influenciador picado 856 vezes por cobras ajuda na criação de soro universal
Coquetel de anticorpos derivado do sangue de americano hiperimune neutraliza veneno de 19 serpentes letais, segundo estudo publicado na revista Cell
Por Plox
05/05/2025 13h36 - Atualizado há 19 dias
Um avanço promissor na medicina surgiu a partir de uma história, no mínimo, inusitada: um influenciador americano que se autopicou 856 vezes com cobras altamente venenosas agora contribui para a criação de um potencial soro antiofídico universal.

Tim Friede, como é conhecido, passou os últimos 18 anos permitindo ser picado por 16 espécies diferentes de serpentes, incluindo mambas-negras, najas, cascáveis e cobras-corais. A repetição dessas experiências levou seu organismo a produzir anticorpos contra diversas toxinas presentes no veneno desses répteis.
Cientistas da empresa de biotecnologia Centivax, em parceria com o centro Aaron Diamond de Pesquisa em Aids da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, isolaram dois anticorpos e uma molécula de pequeno porte a partir do sangue de Friede. Esses elementos compõem um coquetel que demonstrou eficácia na neutralização dos efeitos de venenos neurotóxicos de 19 espécies de cobras consideradas letais pela OMS.
Os testes foram conduzidos em ratos de laboratório, que receberam o coquetel dez minutos após serem envenenados por espécies como cobras Naja, taipans, kraits e mambas, todas da família Elapidae. No Brasil, os representantes desse grupo incluem as cobras-corais.

Este é o primeiro soro produzido com anticorpos humanos, ao contrário dos métodos convencionais que utilizam anticorpos de cavalos ou ovelhas, frequentemente associados a reações alérgicas graves. Jacob Glanville, CEO da Centivax e autor principal do estudo publicado na revista Cell, destaca que a inovação pode reduzir significativamente os riscos de efeitos colaterais.
Apesar dos bons resultados, o coquetel demonstrou eficácia somente contra os elapídeos, e não para serpentes da família Viperidae, como jararacas e cascáveis, comuns no Brasil. Para ampliar a atuação do soro, os cientistas estudam o desenvolvimento de novas versões capazes de atuar também contra esses venenos.
Peter Kwong, professor da Universidade de Columbia e coautor do estudo, ressalta que o coquetel mostrou alta reatividade devido à presença de toxinas conservadas nas diferentes espécies de serpentes, o que amplia seu potencial de uso em áreas onde não se consegue identificar o tipo de cobra que causou o acidente.
Segundo a OMS, os acidentes com cobras causam entre 80 mil e 138 mil mortes anualmente, especialmente em regiões rurais de países em desenvolvimento. O produto, que pode ser armazenado em pó, tem o potencial de facilitar o acesso ao tratamento, especialmente em locais com infraestrutura precária.
Os próximos passos incluem testes em animais maiores, como cães, na Austrália, e estudos com cobras viperídeas. Se bem-sucedido, o tratamento poderá iniciar testes clínicos em humanos dentro de dois a quatro anos, dependendo de parcerias com farmacêuticas e apoio filantrópico.