Um mês do tarifaço: Brasil busca saídas para minimizar impacto de tarifas dos EUA
Governo brasileiro tenta negociar com Washington enquanto adota medidas para proteger exportadores nacionais
Por Plox
06/09/2025 10h11 - Atualizado há 2 dias
O cenário econômico brasileiro passou por intensas movimentações no último mês, após a imposição de um tarifaço pelo governo dos Estados Unidos. Desde o dia 6 de agosto, produtos exportados do Brasil passaram a enfrentar sobretaxa de até 50%, afetando diretamente a competitividade nacional no mercado norte-americano.

O anúncio inicial partiu de uma carta do presidente Donald Trump enviada em 9 de julho ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Tornada pública pelo próprio Trump, a mensagem informava sobre a tarifa de 50% sobre todas as exportações brasileiras, sob justificativas como o suposto déficit comercial dos EUA e o tratamento dado ao ex-presidente Jair Bolsonaro, atualmente réu por tentativa de golpe de Estado.
No entanto, dados do governo brasileiro mostram que, ao contrário da alegação americana, o Brasil teve um déficit acumulado de quase US$ 410 bilhões com os Estados Unidos nos últimos 15 anos.
Apesar de tentativas de negociação antes da efetivação das medidas, Trump assinou uma ordem executiva no dia 30 de julho, estipulando o início das tarifas para 6 de agosto. Um total de 700 produtos ficou de fora das medidas mais severas — entre eles, combustíveis, fertilizantes, polpa e suco de laranja, celulose, metais preciosos e aeronaves civis.
A Embraer, grande exportadora de aviões para o mercado norte-americano, figura entre as empresas beneficiadas pelas isenções. Os produtos isentos, que representam 44,6% das exportações brasileiras, continuam sujeitos à tarifa de até 10%, vigente desde abril.
Já o tarifaço cheio, com alíquota total de 50%, recai sobre 35,9% das exportações. Outros 19,5% dos produtos estão sob tarifas específicas, alegadas por motivos de segurança nacional — é o caso de autopeças, aço, alumínio e cobre.
No primeiro dia após o início das tarifas, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin, recebeu o encarregado de negócios da Embaixada dos EUA no Brasil, Gabriel Escobar. Apesar do encontro, o governo americano ainda não designou um novo embaixador para o país.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, relatou o cancelamento de uma reunião com o secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, apontando possível influência de setores da extrema-direita dos EUA — grupo com ligações investigadas com figuras brasileiras, como Eduardo Bolsonaro, indiciado pela Polícia Federal.
“O Brasil não aceitará desaforo, ofensas nem petulância de ninguém”, declarou o presidente Lula em reunião ministerial.
Lula também rebateu diretamente Trump, afirmando que “ele resolveu contar algumas mentiras sobre o Brasil, e nós estamos desmentindo”.
A diplomacia brasileira, considerada institucional pelo professor José Niemeyer, do Ibmec-RJ, segue apostando no diálogo e recorreu à Organização Mundial do Comércio (OMC) no mesmo dia da entrada em vigor das tarifas, alegando violações por parte dos EUA aos compromissos internacionais.
Internamente, o governo também recorreu à recém-aprovada Lei da Reciprocidade Econômica. A Camex iniciou os trâmites para eventual resposta comercial, enquanto a Confederação Nacional da Indústria (CNI) pede cautela e mantém esforços por acordos.
Com o impacto econômico se espalhando, estados como o Ceará decretaram situação de emergência. Com mais de 90% de suas exportações afetadas, o governo estadual iniciou a compra de alimentos de empresas impedidas de exportar.
Em Petrolina (PE), um terço da população depende da fruticultura irrigada, setor ameaçado pela dificuldade de escoar manga e uva para os EUA. A cidade enfrenta a pressão de exportar 3.200 contêineres até outubro.
Franca (SP), conhecida por sua indústria calçadista, também vê ameaça direta ao emprego. Empresas que exportam 100% da produção para os Estados Unidos estão entre as mais prejudicadas.
Em resposta à crise, o governo federal lançou o Plano Brasil Soberano, prevendo R$ 30 bilhões em crédito para exportadores. As medidas incluem juros menores, suspensão e restituição de tributos e compras governamentais de gêneros alimentícios.
Dados divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento apontam queda de 18,5% nas exportações para os EUA em agosto, mês de estreia do tarifaço. Mesmo produtos fora da sobretaxa, como aviões e minério de ferro, apresentaram recuos de 84,9% e 100%, respectivamente, possivelmente por embarques antecipados em julho.
Já as exportações brasileiras como um todo cresceram 3,9% no mês, com saldo positivo de US$ 6,1 bilhões na balança comercial. A China e a Argentina aumentaram suas importações do Brasil no mesmo período.
A economista Lia Valls Pereira, da Uerj e do Ibre/FGV, aponta que a queda nas exportações para os EUA é reflexo direto do tarifaço e destaca a dificuldade de alguns setores em buscar novos mercados.
“Para alguns produtos, como o sebo bovino, os Estados Unidos representam mais de 50% das exportações”, observou.
Por outro lado, o economista Matheus Dias, também do Ibre/FGV, afirmou que a medida americana ainda não gerou impacto direto na inflação, graças à exclusão de quase 700 produtos da alíquota máxima.
Setores como cimento, madeira e metais enfrentam efeitos mais visíveis, mas o impacto nos preços ao consumidor segue limitado. Enquanto isso, o Brasil mantém o foco em negociações e fortalecimento de novos mercados.