Juiz brasileiro viveu como 'lorde inglês' por 45 anos e virou réu por falsidade
José Eduardo Franco dos Reis enganou autoridades, formou-se na USP e atuou como juiz do TJ-SP com identidade falsa de cidadão britânico
Por Plox
08/04/2025 10h12 - Atualizado há 16 dias
Durante mais de quatro décadas, um homem natural de Águas da Prata, cidade paulista com pouco mais de 7 mil habitantes, viveu como se fosse um nobre britânico. Nascido em 1958, José Eduardo Franco dos Reis assumiu a identidade fictícia de Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, nome que usou para construir uma carreira como juiz no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).

A trama teve início em 1980, quando José Eduardo, então com 22 anos, procurou um posto da Polícia Civil e registrou documentos em nome de Edward Wickfield, alegando ser filho de britânicos. Com documentos falsificados, incluindo certificado de reservista, título de eleitor e carteira de trabalho, ele construiu uma nova identidade que o levaria à Faculdade de Direito da USP e, posteriormente, à aprovação em concurso público para magistratura. Ele atuou como juiz por 23 anos e se aposentou em 2018 com salário elevado.

Seu comportamento reforçava a farsa: tomava chá às 17h, usava blazers de tweed e falava português com leve sotaque britânico. Chegou a afirmar que era neto de um magistrado inglês. O disfarce convenceu colegas de trabalho, autoridades e amigos por décadas.
Em 1993, José Eduardo emitiu novo RG com seu nome verdadeiro e manteve ambas as identidades ativas. Ele renovou sua identidade original novamente em 2022, mas foi em outubro de 2024 que tudo começou a ruir. Durante uma ida ao Poupatempo para emitir nova via do RG como Edward, os sistemas biométricos detectaram divergência entre as digitais, que eram as mesmas para os dois registros. A descoberta levou à abertura de investigação.
Na delegacia, o então investigado se apresentou como José Eduardo, artesão, e tentou convencer os policiais de que Edward era seu irmão gêmeo, adotado ainda criança por uma família inglesa. Forneceu endereço em Londres e um telefone para justificar a solicitação do documento, dizendo atender a um pedido do suposto irmão.
As autoridades britânicas, no entanto, negaram a existência de qualquer cidadão com o nome fornecido. Nenhum documento ou registro oficial confirmava a identidade de Edward. A investigação concluiu que o personagem era criação do próprio José Eduardo.
O Ministério Público de São Paulo denunciou o juiz aposentado por uso de documentos falsos e falsidade ideológica. A 29.ª Vara Criminal da Capital acatou a denúncia e transformou José Eduardo em réu. Contudo, ele ainda não foi localizado para apresentar sua defesa.
O TJ-SP, que inicialmente alegou não haver medidas a tomar por se tratar de magistrado aposentado, revisou sua posição e abriu apuração disciplinar sob sigilo. Como medida imediata, o tribunal suspendeu os pagamentos a José Eduardo. Desde sua aposentadoria, ele já havia recebido R$ 4,8 milhões em remuneração bruta, com subsídios líquidos de R$ 3,4 milhões. Os últimos contracheques ultrapassavam os R$ 100 mil.
A história, marcada por mentiras e artifícios, escancarou falhas no sistema de identificação da época e se tornou um dos episódios mais curiosos do Judiciário brasileiro.