Fies sofre colapso com queda de adesões e alta inadimplência
Em onze anos, número de novos contratos despenca 94% e inadimplência atinge recorde histórico de 60%, afetando milhões de brasileiros
Por Plox
08/06/2025 22h25 - Atualizado há cerca de 9 horas

“Eu tenho arrependimento todos os dias de ter feito faculdade através do Fies, porque é uma dívida que hoje, para mim, é fora da minha realidade”
. Ele acumula um débito de R$ 162 mil, sem conseguir negociar parcelas compatíveis com sua renda.
Esse cenário reflete um declínio expressivo no programa Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), cuja adesão caiu 94% nos últimos onze anos. Enquanto em 2014 foram firmados mais de 730 mil novos contratos, em 2024 esse número despencou para pouco mais de 43 mil, segundo dados do Ministério da Educação (MEC). Paralelamente, a taxa de inadimplência atingiu o maior índice da história do programa: 60% entre os contratos em fase de amortização.
Atualmente, cerca de 2,1 milhões de contratos já chegaram à etapa de pagamento das parcelas. Desse total, 1,23 milhão estão inadimplentes. Entre os afetados está Bruno, morador de Ipatinga (MG), que não conseguiu emprego na área de engenharia civil, sua formação, e vê seu nome negativado desde 2022. Ele destaca as dificuldades enfrentadas: “Eu não consigo liberação de crédito, nem financiar um carro. Eles não quiseram renegociar as parcelas para um valor que eu pudesse pagar”.
A reestruturação do programa, promovida em 2017 com o chamado “Novo Fies”, é apontada como um dos principais fatores da derrocada. A mudança, aprovada no governo Michel Temer, extinguiu a carência de 18 meses após a formatura, instituiu o Fundo Garantidor obrigatório para as instituições de ensino, e limitou os financiamentos conforme a renda dos estudantes. O diretor da Abmes, Bruno Coimbra, observa que essas alterações afastaram estudantes e tornaram o programa menos atrativo: “As mensalidades passaram a ser coparticipadas com valores altíssimos. Em cursos como medicina, o boleto mensal chegou a R$ 5 mil”.
O presidente da Abruc, Claudio Alcides Jacoski, compartilha da mesma visão e critica a falta de controle e acompanhamento, que levou muitas instituições a abandonarem o programa por medo dos riscos financeiros. “Quando o fundo garantidor passou a transferir parte da inadimplência para as instituições, muitas saíram do mercado”, afirmou.
Especialistas apontam que a crise econômica iniciada em 2015 agravou a situação. Para Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC e ex-ministro da Educação, o desemprego crescente, que chegou a quase 15% em 2020 e 2021, impactou diretamente a capacidade de pagamento dos beneficiários. “As pessoas perderam a confiança de que a educação garantiria uma ascensão social”, disse.
Além disso, o avanço do empreendedorismo informal e o aumento de trabalhadores autônomos, fenômeno chamado de “pejotização”, contribuiu para o desinteresse pela formação acadêmica. “Criaram uma ilusão de que o empreendedorismo traria sucesso garantido, o que não é verdade para a maioria”, observa Janine Ribeiro.
Na capital mineira, a arquiteta Letícia Souza, de 30 anos, viu o nome do pai ser negativado ao deixar de pagar o financiamento do qual ele era fiador. Sua dívida ultrapassa R$ 45 mil. Indignada por não ter conseguido descontos como outros estudantes em renegociações anteriores, ela optou por ficar inadimplente esperando por melhores condições. “Tive que tomar essa decisão difícil. As ligações de cobrança são diárias, é um desgaste emocional muito grande”, relata.
O MEC reconhece os problemas enfrentados pelo Fies e lançou em 2024 o modelo Fies Social, voltado a estudantes com renda per capita de até meio salário mínimo e cadastrados no CadÚnico. A iniciativa previa beneficiar até 100 mil pessoas com financiamento de até 100%, mas não alcançou o impacto esperado.
Segundo o ministro Camilo Santana, o governo trabalha para identificar quem não paga por falta de condições reais, cruzando dados da Receita Federal e do Ministério do Trabalho. “Precisamos saber se a pessoa está empregada ou não, se tem renda ou não”, explicou. O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) informou que, até o fim de 2024, mais de 387 mil renegociações haviam sido firmadas, com arrecadação de quase R$ 795 milhões apenas nas parcelas iniciais dos acordos.
O Fies, criado para facilitar o acesso ao ensino superior, enfrenta agora o desafio de se reestruturar para não se tornar uma armadilha financeira para quem sonha com um diploma universitário.