Inadimplência do Fies ameaça futuro de bancos públicos e formação superior no país

Dívidas acumuladas ultrapassam R$ 26 bilhões no BB e provocam judicialização em massa; setor educacional e produtivo sentem os impactos

Por Plox

08/06/2025 22h12 - Atualizado há cerca de 9 horas

Uma crise silenciosa envolvendo o Fies começa a gerar grandes impactos nos bancos públicos, nas universidades e em toda a cadeia produtiva que depende de mão de obra qualificada. A inadimplência no programa de financiamento estudantil não apenas ameaça o equilíbrio financeiro de instituições como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, como também compromete o acesso ao ensino superior por estudantes de baixa renda.


Imagem Foto: Agência Brasil


Dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) indicam que, entre 2020 e 2024, a soma dos prejuízos já ultrapassa R$ 15,7 bilhões. No entanto, o cenário é ainda mais grave quando se observa o Banco do Brasil: o mercado estima que o passivo chegue a R$ 26 bilhões. Essa cifra se refere aos contratos firmados entre 2010 e 2018, período em que o banco atuava como operador do Fies. Atualmente, o BB contabiliza 838.213 contratos em fase de amortização, dos quais 572.617 estão inadimplentes.



Desde 2018, a Caixa assumiu com exclusividade a operação do Novo Fies. No momento, são 1.198.913 contratos nessa fase no banco, sendo que 746.304 estão com pendências. O FGEDUC, fundo de garantia que cobre inadimplência, dispõe de apenas R$ 20 milhões — valor muito inferior ao necessário para sanar a dívida estudantil.


A situação preocupa representantes do setor educacional. Bruno Coimbra, diretor da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), relata que muitas faculdades, especialmente na área da saúde, já dependeram em até 70% do Fies. Diante da instabilidade, muitas estão reformulando suas estratégias para não depender do programa.
“Talvez a gente tenha feito uma concepção lá em 2017 que está empurrando instituições e alunos para fora do sistema”

, aponta Coimbra.


Ele defende uma reestruturação do Fies, propondo a integração com o ProUni e uma visão mais voltada às necessidades sociais. Critica, ainda, a ausência de mecanismos que permitam renegociações mais flexíveis diretamente com as instituições. Já Claudio Jacoski, da Associação Brasileira das Universidades Comunitárias (Abruc), sugere um fundo rotativo nos moldes do que é praticado na Austrália, em que os formados retribuem ao sistema com parte de seus rendimentos.


Além das instituições, o setor produtivo também sente os efeitos da retração no financiamento. Para Coimbra, cerca de 80% da educação superior atende às classes D e E, onde o Fies muitas vezes é a única chance de acesso ao ensino. Com a exclusão desses estudantes, principalmente nas pequenas cidades, há prejuízo direto na formação de mão de obra qualificada, vital para o desenvolvimento local e nacional.



Felipe Tavares, economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC), concorda. Segundo ele, a baixa escolarização interfere na produtividade e limita o preenchimento de vagas que exigem qualquer nível de especialização.
“Só vai sair gente se entrar gente. E hoje o maior problema é que as pessoas não cumprem os requisitos esperados”

, analisa.

A crise no Fies também chega à esfera judicial. De 2020 até abril de 2025, o número de processos relacionados ao programa chegou a 89.610. O salto de 231 ações em 2020 para 36.784 em 2024 revela o aumento exponencial dos conflitos. Só neste ano, até abril, já são 11.527 casos. Segundo o advogado Felipe Moreira, os processos discutem prazos de carência, valor das parcelas e mudanças nas regras. Ele explica que a judicialização permite aos estudantes reorganizar suas dívidas e até obter liminares para suspender pagamentos temporariamente.



Paralelamente, empresas como a Serasa Experian oferecem acordos de renegociação. São cerca de 5 milhões de ofertas voltadas a mais de um milhão de estudantes inadimplentes. Lucas Tosati, especialista da Serasa, alerta que a negativação prejudica o acesso a crédito e até a possibilidades profissionais.
“Você paga duas, três vezes mais do que a média de mercado”

, observa.

A jornalista Érica Rodrigues, de 29 anos, ilustra os efeitos da renegociação. Após se formar em 2018, passou cinco anos inadimplente, mas conseguiu quitar sua dívida de R$ 50 mil por pouco mais de R$ 6 mil, graças a um programa lançado no fim de 2023. “A gente se formou endividado e sem nenhuma perspectiva de estabilidade financeira”, desabafa.



O Ministério da Educação aposta no Fies Social como alternativa. O modelo, iniciado em 2024, prometia financiar até 100% da mensalidade de estudantes inscritos no CadÚnico, com renda per capita de até meio salário mínimo. O objetivo era beneficiar 100 mil pessoas, número que ainda não foi alcançado. O ministro Camilo Santana afirma que o sistema do Fies estava desorganizado, com falhas na triagem dos beneficiários.
“Precisamos diferenciar aquele que não paga porque não quer e aquele que não paga porque não pode”

, afirma Santana.

Até 2024, mais de 387 mil renegociações foram firmadas, gerando uma arrecadação de quase R$ 795 milhões apenas com os pagamentos iniciais. Apesar disso, os desafios continuam, e o futuro do Fies segue como uma incógnita — com impactos não só nos bancos, mas em toda a estrutura de ensino e produtividade nacional.


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