Corte de verba dos EUA para combate ao HIV alerta o mundo e gera preocupação no Brasil

Decisão do governo Trump afeta distribuição global de medicamentos e pode atrasar avanços científicos, mesmo sem impactar diretamente a produção brasileira

Por Plox

08/08/2025 09h08 - Atualizado há 2 dias

A decisão dos Estados Unidos de reduzir significativamente seu apoio financeiro internacional no combate ao HIV está gerando preocupações em diversos países, inclusive no Brasil. Sob a liderança de Donald Trump, os recursos destinados à prevenção e tratamento da doença em nações de baixa renda passaram a ser drasticamente limitados.


Imagem Foto: Divulgação


Uma das medidas mais simbólicas desse novo posicionamento foi o fechamento da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), responsável por coordenar a assistência humanitária norte-americana. A agência, com mais de seis décadas de atuação, era uma peça-chave na execução do Pepfar — o Plano de Emergência do Presidente para o Alívio da Aids — que, desde 2003, aplicou mais de US$ 110 bilhões em pelo menos 50 países, principalmente africanos. O programa é apontado como responsável por salvar cerca de 26 milhões de vidas até hoje.


Apesar de o Pepfar não ter sido encerrado formalmente, a ausência da Usaid dificultou a continuidade da distribuição dos medicamentos. Na prática, embora os remédios continuem sendo produzidos, a logística para levá-los até os pacientes foi comprometida, como relatam veículos de imprensa internacional.



A estimativa publicada na revista científica “The Lancet” projeta um futuro preocupante: até 2,9 milhões de pessoas podem morrer até 2030 em razão da interrupção de ajuda financeira por parte de países ricos, como Estados Unidos e Reino Unido. Além disso, o número de novas infecções pode alcançar os 11 milhões nos próximos cinco anos.


Embora o Brasil seja um dos países atendidos pelo Pepfar, sua situação é distinta. Desde a década de 1990, com a implementação da Lei nº 9.313/96, o país assegura o acesso gratuito aos medicamentos antirretrovirais. Atualmente, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), por meio de Farmanguinhos, é a principal responsável pela produção nacional desses medicamentos, adquirindo a tecnologia através de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP).


“Até mais ou menos a década de 90, no boom da descoberta do vírus e da doença, dependíamos efetivamente de ajuda internacional”, explica a doutora em Ciências e pesquisadora da Fiocruz, Monica Bastos.

Mesmo com custos elevados — o Brasil lidera o gasto doméstico com antirretrovirais entre 43 nações de renda baixa ou média, segundo o UNAIDS — o país tem autonomia total no fornecimento. Bastos destaca que o uso de medicamentos inovadores justifica o investimento: “O dinheiro é repassado à detentora da patente, o que é justo, mas o retorno é incrível.”



Hoje, são nove medicamentos contra o HIV fabricados pela Fiocruz, incluindo o comprimido de PrEP, usado para prevenção. O mais recente avanço é a produção do comprimido que une dolutegravir e lamivudina, facilitando a adesão dos pacientes com um único comprimido diário. “Isso é excelente, porque melhora a adesão do paciente ao tratamento. O estigma de ter que tomar vários medicamentos é muito ruim”, reforça Bastos.


Além da PrEP tradicional, a fundação estuda trazer ao país a versão injetável, desenvolvida pela farmacêutica Gilead. Trata-se de uma aplicação semestral que já é utilizada em outros países. “É questão de tempo”, avalia a pesquisadora.



Apesar de não sofrer risco imediato de desabastecimento, o Brasil pode ser afetado de maneira indireta pelos cortes internacionais. Isso se dá principalmente pelo impacto negativo no financiamento de pesquisas de novas terapias e vacinas.


“Esses cortes interrompem pesquisas de novas terapias e vacinas. Não só o Brasil, mas todos os países do mundo poderiam se beneficiar. É um impacto indireto que nós temos”, afirma Bastos.


O professor e infectologista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Unaí Tupinambás, também expressa preocupação:
“Com o advento da terapia antirretroviral no final dos anos 1990, houve avanços significativos na efetividade desses medicamentos: maior potência na supressão da replicação viral, menos efeitos colaterais e posologia mais confortável. Isso transformou uma condição anteriormente fatal em uma condição controlável.”

Segundo ele, os cortes de Trump atingiram o Instituto Nacional de Saúde dos EUA (NIH), que custeava pesquisas para novas abordagens terapêuticas contra o HIV. “O impacto global pode nos afetar indiretamente, uma vez que o atraso no controle da epidemia nos países de baixa renda representa uma ameaça à saúde pública internacional. A pandemia de Covid-19 nos lembrou que os vírus não respeitam fronteiras”, conclui Tupinambás.



Enquanto o Brasil mantém sua autonomia e segue sendo uma referência no enfrentamento da infecção, o cenário mundial exige vigilância e cooperação contínua para evitar retrocessos no combate ao HIV.


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