Política

Crimes por LGBTQIAPN+fobia crescem 53% em Minas sob gestão Zema

Estado registra 567 casos em 2023, 546 em 2024 e já soma 543 ocorrências em 2025 até outubro; governo aposta em ações pontuais, sem orçamento específico e sem políticas estruturantes de proteção

08/12/2025 às 08:58 por Redação Plox

Minas Gerais vive, desde o primeiro mandato de Romeu Zema (Novo), uma escalada na violência contra a população LGBTQIAPN+. Enquanto os ataques crescem, o governo estadual mantém baixa execução orçamentária na área e carece de políticas públicas estruturantes voltadas a esse grupo, que segue praticamente fora do planejamento oficial.

Apesar da mobilização constante, esse grupo da população segue fora das prioridades do Orçamento público

Apesar da mobilização constante, esse grupo da população segue fora das prioridades do Orçamento público

Foto: Marcelo Camargo Agência Brasil


Levantamento obtido pelo Estado de Minas via Lei de Acesso à Informação (LAI) mostra que os registros oficiais de crimes motivados por preconceito aumentaram 53% desde o início da atual gestão. Ao mesmo tempo, as ações de proteção não têm orçamento próprio e são classificadas pelo próprio governo como “pontuais”.

Escalada de casos e curva crescente de violência

O Painel LGBTQIA+Fobia, plataforma estadual que consolida dados sobre crimes contra essa população, evidencia a curva ascendente. Em 2018, antes da posse de Zema, foram 356 ocorrências registradas. Em 2019, primeiro ano da atual gestão, o número avançou para 363. Em 2023, já após a reeleição, o total chegou a 567, o maior da série histórica, seguido por 546 casos em 2024.

Em 2025, até outubro, o painel já contabilizava 543 registros de causas presumidas de LGBTQIAPN+fobia, número superior ao do mesmo período de 2024, quando havia 467 casos anotados. A tendência é que o total deste ano ultrapasse o do ano passado, já que ainda restam dois meses a serem incorporados às estatísticas.

Planos anunciados, pouca execução

Apesar da alta na violência, documentos acessados pela reportagem apontam um vácuo estrutural de políticas públicas no mesmo intervalo em que os ataques se intensificaram. Um dos exemplos mais emblemáticos é o “Plano de Enfrentamento à Transfobia no Sistema Socioeducativo”, anunciado em 2021 e que, quase quatro anos depois, segue classificado como “em andamento” e “para consulta pública”, sem previsão de implementação.

A reportagem questionou o Governo de Minas sobre a previsão de lançamento efetivo do programa, mas não obteve indicação de data.

Medidas concentradas em bastidores

A Secretaria de Desenvolvimento Social apresenta, ano a ano, uma lista de iniciativas e programas direcionados à população LGBTQIAPN+: foram duas ações em 2019, cinco em 2020, outras cinco em 2021, quatro em 2022, seis em 2023, quatro em 2024 e mais quatro previstas para 2025. A maior parte dessas medidas, porém, se restringe a capacitações, campanhas e ajustes administrativos.

Em geral, as ações incluem criação de comitês, resoluções, grupos de trabalho, planos ainda em discussão e cursos em plataformas on-line. Quase nada se converte em serviços diretos de proteção, amparo ou acompanhamento contínuo a vítimas, especialmente nas regiões onde há maior vulnerabilidade.

Medidas concretas e formação de servidores

Entre as iniciativas com impacto mais direto, o governo destaca a conversão do Presídio Jason Soares Albergaria em unidade exclusiva para gays, travestis e transexuais, medida apontada como estratégia de proteção a esse público no sistema prisional. Outra mudança relevante foi a inclusão de nome social, identidade de gênero e orientação sexual nos registros de ocorrência.

Na frente de formação, a gestão menciona o curso “Formação em Direitos das Pessoas LGBTQIA+ e Identidade de Gênero”, que certificou 3.214 participantes entre 2016 e 2023. Há ainda o curso “População LGBT: Direitos e Garantias”, desenvolvido em parceria com a Polícia Civil, que ofertou três mil vagas em 2023 e prevê mais três mil em 2024, totalizando seis mil alunos capacitados.

Entidades apontam respostas tímidas

Para o presidente do Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais (Cellos-MG), Maicon Chaves, as medidas adotadas pela atual gestão são insuficientes diante da escalada da violência. Ele avalia que o estado se apoia em ações pontuais, sem estruturar redes de acolhimento e proteção espalhadas pelo território.

Na avaliação de Chaves, o governo deveria priorizar a criação de centros de referência regionais, oferecer atendimento psicossocial específico e estabelecer protocolos obrigatórios na segurança pública para atendimento às vítimas de LGBTQIAPN+fobia.

Ausência de orçamento específico

A deputada estadual Bella Gonçalves (Psol), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), afirma que o estado vive um quadro de desproteção institucional da população LGBTQIAPN+. Segundo ela, Minas não dispõe de orçamento dedicado ao tema, nem de políticas capazes de responder ao aumento dos casos de violência dos últimos anos.

De acordo com a parlamentar, a violência contra grupos vulneráveis cresceu de forma significativa no estado, impulsionada por discursos da direita que transformaram a população LGBTQIAPN+ em alvo. Ela relaciona essa retórica ao aumento dos ataques registrados.

Nos documentos enviados à reportagem, a Secretaria de Desenvolvimento Social informa que não há rubrica específica para políticas de diversidade. Quando questionada sobre o orçamento destinado às iniciativas voltadas à população LGBTQIAPN+, a pasta registra que “não houve execução orçamentária” ou que “não é necessário destinar recurso, por se tratar de ação pontual”.

Diversidade tratada como tabu

Na leitura de Bella, o governo Romeu Zema trata a pauta da diversidade como tabu, sobretudo na educação. A deputada aponta iniciativas que, segundo ela, desestimulam o debate sobre inclusão em escolas e acabam fomentando perseguições a profissionais da rede de ensino.

Ela também destaca a ausência de investimentos na saúde para construir serviços de acolhimento ambulatorial voltados à população LGBTQIAPN+, lembrando que existe um protocolo estadual, mas que não foi disseminado nem inserido de forma consistente em processos de capacitação na atenção básica.

Críticas à “escolha política” de não priorizar a área

O presidente do Cellos-MG também critica a falta de execução orçamentária específica para políticas LGBTQIAPN+ nos últimos anos, classificando a situação como uma escolha deliberada que leva à desproteção institucionalizada dessa população.

Segundo ele, quando o governo sinaliza que a pauta é secundária, transmite à sociedade a ideia de que vidas LGBTQIAPN+ não são prioridade, o que reforça o sentimento de abandono entre vítimas e organizações que atuam na defesa dos direitos desse grupo.

Projetos travados na Assembleia

No Legislativo, Bella Gonçalves afirma ter mais de dez projetos voltados à comunidade LGBTQIAPN+ parados na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da ALMG. A deputada atribui a paralisação à atuação da base governista, que teria freado o avanço das propostas.

Mesmo assim, ela aponta “alguns respiros” no estado, fruto de ações do próprio parlamento ou de parcerias com políticas federais. Entre eles, cita a abertura de ambulatórios trans em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, e em Ouro Preto, na Região Central, viabilizados por emendas parlamentares impositivas.

Outro avanço mencionado é a adoção de cotas para pessoas trans na Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), medida aprovada pela instituição com base em sua autonomia universitária.

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