Saúde

Genéricos do Ozempic atrasam? STJ adia julgamento decisivo

Recurso da fabricante de Ozempic e Rybelsus é considerado decisivo para definir entrada de genéricos no Brasil e possível incorporação de tratamentos contra obesidade e diabetes tipo 2 pelo SUS

09/12/2025 às 06:18 por Redação Plox

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisaria nesta terça-feira (9) um pedido da Novo Nordisk para estender a patente da semaglutida, substância presente em medicamentos como Ozempic e Rybelsus, usados no tratamento de diabetes tipo 2 e obesidade. O julgamento, porém, foi adiado, sem nova data informada pela Justiça. A farmacêutica afirma que a apreciação do caso deve ocorrer em 16 de dezembro.

A decisão é considerada estratégica para definir quando versões genéricas da semaglutida poderão chegar ao mercado brasileiro. A patente atual expira em março de 2026, e medicamentos concorrentes já estão em análise na Anvisa. Em nota ao portal G1, o Ministério da Saúde informou ter solicitado ao órgão regulador que “priorize o registro de medicamentos compostos pelos princípios ativos semaglutida e liraglutida”.

Pela legislação brasileira, empresas têm direito a 20 anos de exclusividade a partir do pedido de patente. A Novo Nordisk alega que houve demora na análise do pedido no Brasil e pede que a Justiça “devolva” o tempo que considera perdido. Se o recurso for aceito, a exclusividade de produtos como o Ozempic, que terminaria em 2026, pode ser estendida até 2044.

Não é a primeira disputa judicial envolvendo a empresa. No caso da liraglutida, outra substância usada no tratamento de diabetes e obesidade, a Novo Nordisk também recorreu à Justiça, mas a farmacêutica EMS — que já tinha uma versão pronta — conseguiu reverter a decisão. A caneta produzida no país chegou ao mercado em agosto.

Especialistas apontam que a decisão do STJ deve influenciar diretamente o acesso ao tratamento, tanto na rede privada quanto na pública. Hoje, o SUS não oferece medicamentos específicos para obesidade: o cuidado se concentra nas complicações, como diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares. A única alternativa terapêutica disponível é a cirurgia bariátrica, acessível a uma minoria — apenas 10% dos procedimentos no país são realizados pelo sistema público.

Para pesquisadores e gestores, a queda de patentes abriria espaço para genéricos com preços mais baixos, o que poderia viabilizar a incorporação desses medicamentos ao SUS.

Patentes, atrasos e disputa judicial no STJ

A semaglutida é um análogo do hormônio GLP-1, produzido principalmente pelas células do intestino. Esse hormônio atua no hipotálamo, área do cérebro ligada ao controle do apetite, ajudando a reduzir a fome. A substância é usada no tratamento da diabetes tipo 2 e da obesidade e, segundo especialistas, vem revolucionando a abordagem dessas doenças.

Recentemente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu a semaglutida na lista de medicamentos essenciais para casos de diabetes tipo 2 com comorbidades associadas. No Brasil, a substância foi aprovada pela Anvisa em 2018, com a chegada do Ozempic, produzido pela Novo Nordisk. Depois, a empresa lançou o Rybelsus, versão em comprimido.

Antes mesmo da aprovação da Anvisa, a farmacêutica já havia acionado o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), responsável pelo registro de patentes no Brasil, para proteger a tecnologia.


Agência Brasileira de Apoio à Gestão do SUS (AgSUS) abre inscrições para processo seletivo

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Foto: Arquivo/Agência Brasil

Patentes são instrumentos legais que garantem exclusividade de exploração de um produto ou tecnologia por um período determinado — normalmente, 20 anos, como no Brasil e em países europeus. A lógica é permitir que empresas recuperem investimentos em pesquisa e desenvolvimento.

Até pouco tempo, a legislação brasileira previa um adicional que, na prática, podia ampliar a duração dessa proteção, caso houvesse demora na análise. Durante a pandemia de Covid-19, em meio à discussão sobre vacinas e acesso a medicamentos, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou esse mecanismo. Desde então, empresas deixaram de contar com esse “tempo extra” e passaram a recorrer ao Judiciário para tentar recompor o prazo que consideram perdido.

No processo sobre a semaglutida, a Novo Nordisk alega que o INPI demorou a conceder o registro, reduzindo o tempo efetivo de exploração da tecnologia. No caso do Ozempic, a empresa diz que o atraso chegou a 12 anos.

A decisão do STF colocou o Brasil no mesmo patamar regulatório que a Europa. Então, não é nenhum absurdo que seja assim. São 20 anos a partir da publicação preliminar porque isso dá à empresa o direito de processar alguém que copiar a ideia. Então, em tese a empresa poderia começar a explorar e teve o tempo que é de direito mantido. Henderson Furst, doutor em direito e especialista em bioética

O recurso da Novo Nordisk é acompanhado de perto por outras farmacêuticas, porque pode influenciar não só o acesso à semaglutida, mas a interpretação geral das regras de patentes de medicamentos no país. Empresas que investem em plantas industriais e desenvolvimento de novos produtos observam a decisão como sinal importante de segurança jurídica.

Um estudo de 2021 estimou que a extensão de patentes de medicamentos pode representar custo adicional de até R$ 1,1 bilhão ao SUS. O impacto decorre de dois fatores principais: preços mais altos em cenário de menor concorrência e a necessidade de compra por via judicial, mesmo quando o remédio não é incorporado formalmente ao sistema público.

O levantamento analisou 445 ações judiciais envolvendo Ozempic e semaglutida entre 2023 e maio de 2025. A maior parte dos processos foi movida contra o SUS e, em mais da metade dos casos, o sistema público foi obrigado a pagar pelo medicamento.

Obesidade em alta, tratamento restrito

A análise do caso pelo STJ ocorre em meio ao avanço da obesidade no Brasil. Atualmente, 7 em cada 10 adultos estão acima do peso, e 31% já são considerados obesos. A doença cresce mais rapidamente entre quem depende do SUS, aprofundando desigualdades no acesso à saúde.

Apesar da dimensão do problema, não há nenhum medicamento específico para obesidade disponível na rede pública. O tratamento se concentra em controlar as consequências da doença — como diabetes, hipertensão e problemas cardiovasculares — em vez de atuar diretamente na causa.

A cirurgia bariátrica é a única alternativa terapêutica oferecida pelo SUS, mas o acesso é limitado. A maior parte dos procedimentos é feita na rede privada.

Por isso, a chegada de versões genéricas das canetas de semaglutida e liraglutida é vista como estratégica por especialistas em saúde pública. Eles defendem que esses medicamentos não devem ser a única via de tratamento — já que a obesidade é multifatorial, exige acompanhamento multidisciplinar e políticas de acesso à alimentação saudável —, mas podem se tornar um instrumento importante na rede pública, hoje sem opções farmacológicas.

Especialistas e analistas de mercado ouvidos pelo g1 avaliam que, com a queda da patente, o preço das canetas tende a cair, como ocorreu com a liraglutida. A EMS passou a produzir uma versão nacional com preço em torno de R$ 300 por caneta.

Essa redução, porém, não é imediata. Mesmo com o fim da proteção, cada empresa interessada em produzir o medicamento precisa submeter seu produto à Anvisa e cumprir todas as etapas regulatórias.

Fiocruz e EMS se movem à espera do fim das patentes

Já há iniciativas se antecipando a um cenário de maior concorrência. Em agosto, a Fiocruz, ligada ao Ministério da Saúde, anunciou uma parceria com a EMS para produzir canetas de liraglutida — cuja versão brasileira já está no mercado — e de semaglutida, na expectativa da queda das patentes.

A Fiocruz firmou uma parceria com a empresa EMS, para incorporar uma plataforma e produção de medicamentos a partir de peptídeos – uma nova fronteira do setor que pode servir de base para produção de tratamentos oncológicos e vacinas mais modernas – que não se resume, portanto, a canetas emagrecedoras. Ministério da Saúde

Para a pesquisadora Lia Hasenclever, que estuda o impacto de patentes no sistema público de saúde, a redução de preços após o fim da proteção depende do grau de concorrência. Segundo ela, o fato de a EMS já ter solicitado licença para produzir é um sinal de que os valores podem começar a cair de forma mais expressiva.

Hoje, uma caneta de semaglutida custa cerca de R$ 1 mil, o que torna o tratamento inviável para a maior parte da população, inclusive para o SUS.

Em agosto, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) debateu a inclusão das canetas na lista de tecnologias do SUS, mas emitiu parecer contrário devido ao alto custo. De acordo com o Ministério da Saúde, nas condições atuais, seriam necessários R$ 8 bilhões por ano para atender os pacientes que precisariam do medicamento.

Enquanto isso, avança o uso estético das canetas, especialmente entre pessoas que conseguem pagar pelo tratamento na rede privada, o que aprofunda a desigualdade de acesso.

Pesquisadores em obesidade ressaltam que, na prática, muitos pacientes com a doença tratados no SUS recebem apenas medicamentos para as comorbidades — como hipertensão, colesterol alto e dores crônicas —, sem acesso a terapias que atuem diretamente na perda de peso. Especialistas afirmam que tornar medicamentos como semaglutida e liraglutida disponíveis na rede pública poderia representar uma mudança estrutural no cuidado e, a longo prazo, reduzir gastos com complicações associadas à obesidade.

Debate sobre custo, incorporação e uso racional

O Ministério da Saúde destaca que, além do preço, a eventual incorporação desses medicamentos exigiria critérios rigorosos de prescrição, com análise caso a caso e integração com acompanhamento nutricional e outras especialidades.

Na avaliação de médicos e pesquisadores, a queda de preços impulsionada por genéricos é condição central para qualquer mudança de cenário. Estudos mencionados pelo Ministério indicam que a entrada de genéricos costuma provocar, em média, redução de 30% nos preços, o que pode reabrir o debate sobre a inclusão dessas terapias no SUS.

A aposta é que, ao tratar a obesidade de forma mais efetiva, o país consiga reduzir a incidência de doenças que hoje respondem por parte relevante dos gastos públicos em saúde, como diabetes, problemas cardiovasculares e outras complicações metabólicas.

Por que a indústria defende a extensão das patentes

Do lado das empresas, o argumento central é que a extensão das patentes seria uma forma de compensar a demora do INPI na análise dos pedidos. Embora a proteção formal seja de 20 anos, representantes do setor dizem que, na prática, o tempo de exploração exclusiva cai para poucos anos quando o exame se prolonga.

Outro ponto levantado pela indústria é que casos como o da semaglutida não seriam isolados. Desde a mudança na lei, várias farmacêuticas passaram a recorrer à Justiça para recompor o período que consideram perdido, e não para obter um “bônus” de prazo além dos 20 anos previstos em lei.

Entidades do setor afirmam ainda que a forma como o Brasil vem aplicando as mudanças na legislação pode influenciar decisões de investimento em pesquisa, desenvolvimento e instalação de fábricas no país.

O que as empresas estão pedindo é uma resposta a uma lacuna que ficou. Isso é importante para como elas vão olhar para o Brasil. Precisa ser como um país que dá a proteção legal para a inovação. Renato Porto, presidente-executivo da Interfarma

Enquanto o STJ não decide sobre o caso da semaglutida, segue em aberto um embate que envolve acesso a tratamento, sustentabilidade do SUS e segurança jurídica para inovação — com impacto direto para milhões de pessoas com obesidade e diabetes no país.

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