"Café fake" se espalha: mistura vendida como café levanta alerta sobre qualidade e rotulagem

Produto similar ao café viraliza nas redes sociais e reforça debate sobre a proliferação de alimentos que imitam os originais, mas têm qualidade inferior

Por Plox

10/02/2025 08h54 - Atualizado há cerca de 1 mês

A recente viralização do chamado "café fake", ou "cafake", um pó para preparo de bebida à base de café, reacendeu uma discussão sobre produtos similares que se assemelham aos originais, mas possuem composições diferentes e, muitas vezes, qualidade inferior. Comercializado em embalagens quase idênticas às dos cafés tradicionais, esse item gerou indignação entre consumidores e especialistas.

O caso é um exemplo extremo de uma tendência que se intensifica em períodos de alta inflação: o aumento da oferta de produtos que "parecem, mas não são". São versões mais baratas de itens populares, como café, laticínios e azeites, que, embora legalmente permitidos, nem sempre deixam claro para o consumidor que são diferentes dos produtos convencionais.

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O que é o 'café fake' e por que ele preocupa?

O "cafake" chamou a atenção após um vídeo de Celírio Inácio da Silva, diretor da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), viralizar nas redes sociais. No vídeo, ele explica:

"O café é um monoproduto extraído do grão do café. Junto a esse grão, depois de secado e beneficiado, sobram casca, mucilagem (camada viscosa do grão), pau, pedra, palha e tudo o que vem junto com o café – mas não é café."

Esse pó vendido como alternativa ao café contém misturas de baixa qualidade e, segundo a Abic, não possui registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Além disso, o preço é um grande atrativo para os consumidores: um pacote de 500g do "cafake" foi encontrado por R$ 13,99, enquanto o preço médio do café tradicional no varejo é quase R$ 30.

A Abic também alerta que a embalagem desse produto traz referências a resoluções da Anvisa que já foram revogadas, o que levanta dúvidas sobre sua regularização.

Inflação e o crescimento dos produtos similares

A popularização do "café fake" reflete um fenômeno mais amplo: a proliferação de produtos similares em momentos de crise econômica. Em 2024, o café teve um aumento de 39,6% no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), bem acima da inflação geral, que foi de 4,83%.

Essa realidade faz com que consumidores de baixa renda busquem alternativas mais baratas. Como explica Luciana Medeiros, especialista da consultoria PwC:

"Ele começa comprando um suco de uma qualidade que ele julga melhor. Começou a apertar, ele troca por um suco mais simples. Apertou de novo, troca por suco em pó."

Essa substituição de produtos ocorre em diversas categorias. Além do "cafake", há o óleo composto (mistura de azeite com outros óleos vegetais), o creme culinário (similar ao creme de leite) e os compostos lácteos, que se passam por leite, mas contêm alta concentração de soro de leite.

O papel do soro de leite na indústria de alimentos

A utilização de soro de leite como substituto do leite em produtos lácteos se tornou comum nas últimas décadas. Antes descartado pela indústria de queijos, o soro passou a ser reutilizado para reduzir custos de produção. Isso resultou no surgimento de produtos como:

  • Mistura láctea condensada (similar ao leite condensado);
  • Composto lácteo (similar ao leite em pó);
  • Cobertura cremosa (similar ao requeijão);
  • Mistura alimentícia com queijo ralado (similar ao queijo ralado).

Esses produtos geralmente são mais baratos, mas contêm menos nutrientes do que suas versões originais. Além do soro de leite, ingredientes como gordura vegetal e amido modificado são frequentemente adicionados para baratear a produção.

Rótulos enganosos e ingredientes 'fantasmas'

Uma das principais preocupações envolvendo esses produtos similares é a dificuldade de identificação pelo consumidor. A nutricionista Mariana Ribeiro, do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), explica que muitas pessoas só percebem que compraram um produto diferente ao chegar em casa.

Isso ocorre porque as embalagens são muito semelhantes às dos produtos tradicionais, e a denominação verdadeira do item costuma aparecer em letras pequenas. "O produto muitas vezes está na mesma gôndola de um produto de uma categoria parecida… o consumidor compra [achando que é o tradicional], mas quando consome percebe algo diferente", afirma Ribeiro.

Casos emblemáticos de ingredientes ausentes também foram identificados recentemente, como:

  • Creme de avelã sem avelã, contendo apenas cacau e aromatizante;
  • Biscoito fitness de aveia e mel, que não possuía mel, apenas aroma artificial.

Essa estratégia de marketing, segundo especialistas, aproveita o fato de que muitos consumidores não leem atentamente os rótulos antes de comprar.

Os riscos do consumo de produtos ultraprocessados

Embora os similares não sejam necessariamente prejudiciais à saúde, muitos deles se enquadram na categoria de alimentos ultraprocessados, conhecidos por terem alto teor de açúcares, gorduras e aditivos químicos.

O Idec recomenda que crianças menores de dois anos evitem esses produtos e que os adultos reduzam seu consumo. Entre os principais ultraprocessados estão:

  • Refrigerantes;
  • Embutidos e frios;
  • Bebidas lácteas;
  • Sorvetes industrializados;
  • Massas congeladas (como pizzas e lasanhas).

Segundo Ribeiro, um truque simples para identificar produtos ultraprocessados é observar se o rótulo contém corantes, aromatizantes e edulcorantes. Além disso, a ordem dos ingredientes indica sua quantidade na composição – se o açúcar aparece primeiro, significa que está em maior proporção no alimento.

Regulamentação e fiscalização

No caso do "café fake", a Abic enfatiza que novos alimentos e ingredientes precisam de aprovação da Anvisa para garantir sua segurança para consumo. No entanto, a falta de fiscalização rigorosa faz com que alguns produtos entrem no mercado sem cumprir todas as exigências legais.

O debate sobre os produtos "parecem, mas não são" ganhou ainda mais força após uma declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que sugeriu que os consumidores deveriam optar por itens mais baratos para forçar a redução de preços.

"Se todo mundo tivesse a consciência e não comprar aquilo que está caro, quem está vendendo vai ter que baixar para vender, senão vai estragar", afirmou Lula em entrevista a rádios da Bahia.

Essa fala gerou discussões sobre o impacto da substituição de produtos na saúde da população e reforçou a necessidade de políticas públicas que garantam maior transparência nas embalagens e informações claras para os consumidores.

Com o crescimento da oferta de produtos similares no Brasil, o desafio agora é equilibrar acessibilidade, qualidade e informação para que o consumidor possa fazer escolhas mais conscientes e seguras.

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