PM que matou jovem negro pelas costas em mercado de SP tem pedido de liberdade negado pela Justiça

Decisão aponta "comportamento violento e descontrolado" e destaca histórico de outras mortes atribuídas ao policial.

Por Plox

10/12/2024 11h44 - Atualizado há 1 dia

A Justiça de São Paulo negou o pedido de liberdade provisória para o policial militar Vinicius de Lima Britto, acusado de matar Gabriel Renan da Silva Soares, de 26 anos, com tiros pelas costas em frente a um mercado na Zona Sul da capital paulista, no dia 3 de novembro. A decisão foi tomada nesta segunda-feira (9) pela juíza Michelle Porto de Medeiros Cunha Carreiro, da 5ª Vara do Júri.

Foto: Reprodução/Arquivo pessoal
 

Na decisão, a magistrada destacou o comportamento "violento e descontrolado" do PM, apontando que ele já é investigado por outras duas mortes ocorridas durante um assalto em São Vicente, no litoral de São Paulo. Segundo a juíza, o histórico de Vinicius reforça a necessidade de mantê-lo preso.

"Não houve nenhuma alteração do panorama fático já existente por ocasião da decretação da custódia que pudesse levar à interpretação de que a prisão é medida inadequada no caso concreto", afirmou a juíza. Ela acrescentou que os novos elementos apresentados após o recebimento da denúncia apontam o envolvimento do PM em outros episódios letais, todos com características semelhantes, inclusive pela quantidade de disparos efetuados contra as vítimas.

Pedidos negados

Além da solicitação de liberdade, a defesa de Vinicius também pediu que o processo tramitasse em sigilo. A Justiça, no entanto, negou o pedido.

Vinicius foi transferido para o Presídio Militar Romão Gomes, em São Paulo, na última sexta-feira (6), após passar por audiência de custódia. O pedido de prisão foi apresentado pelo Ministério Público (MP), que destacou a existência de provas do crime e indícios suficientes de autoria. Para o MP, a liberdade do PM colocaria em risco a ordem pública e poderia intimidar testemunhas.

"A liberdade do acusado põe em risco a ordem pública e prejudicará a instrução processual, pois poderá deixar as testemunhas temerosas de prestar depoimento", argumentou a Procuradoria.

O MP também afirmou que o policial cometeu "homicídio qualificado", com diversos disparos contra uma vítima desarmada e indefesa. "Indicando, portanto, dolo exacerbado e brutalidade na prática do delito por ele intentado", concluiu o Ministério Público.

Como ocorreu o crime

Imagens de câmeras de segurança registraram a ação que levou à morte de Gabriel Renan da Silva Soares. Nas gravações, o jovem, que usava um moletom vermelho, aparece entrando no mercado Oxxo, no bairro Jardim Prudência, Zona Sul de São Paulo. Ele pega quatro pacotes de sabão e, ao tentar sair correndo, escorrega em um pedaço de papelão e cai no estacionamento.

O policial militar, que estava no caixa pagando suas compras, percebe a movimentação, saca a arma e atira várias vezes pelas costas de Gabriel, que tentava fugir. O jovem morreu no local. Segundo o boletim de ocorrência, o corpo de Gabriel apresentava 11 perfurações de tiros.

Ao ser interrogado, Vinicius alegou que atirou porque acreditou que Gabriel estava armado e que o jovem teria colocado a mão no bolso do moletom, o que o fez supor uma ameaça. No entanto, as imagens de segurança não mostram o rapaz armado.

Família busca justiça

Silvia Aparecida da Silva, mãe de Gabriel, afirmou que o filho era usuário de drogas e lutava contra o vício, mas sempre demonstrou carinho pela família. "Gabriel era um menino doce, meigo e sonhador. Me falava que ia me dar uma casa. Ele só tinha 26 anos. Uma vida inteira pela frente", disse Silvia, emocionada.

Ela contou que, ao perceber a ausência do filho por volta das 5h de segunda-feira (4), saiu em busca de informações. O irmão de Gabriel relatou ter visto uma pessoa morta, coberta por uma lona, no estacionamento do mercado durante a madrugada, e reconheceu as botas do irmão.

Silvia e o ex-marido foram ao mercado e receberam a notícia de um funcionário de que "mataram um nóia". Foi nesse momento que ela descobriu a morte do filho. Indignada, Silvia criticou a conduta do policial. "Foi muito covarde. Podia ter levado preso. Existe cadeia para isso. Um tiro de Glock .40 já faz um estrago, imagine 11", desabafou.

Para a família, a versão apresentada pelo PM e pelo funcionário do mercado é contraditória. Segundo eles, é incoerente a alegação de que Gabriel teria se virado contra o policial após ser baleado pelas costas. "Se você toma um tiro, a reação natural é tentar fugir, não voltar para o local onde está sendo atacado", afirmou o pai.

Histórico do PM

O histórico de Vinicius de Lima Britto na corporação tem gerado questionamentos. O PM foi reprovado no exame psicológico do concurso da Polícia Militar em 2021. O laudo apontou que ele não possuía o perfil psicológico adequado para o cargo de soldado, especialmente nos critérios de controle emocional, capacidade de liderança e relacionamento interpessoal.

Mesmo com a reprovação, Vinicius conseguiu ingressar na Polícia Militar ao prestar um novo concurso em 2022. A Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que não há impedimento legal para que uma pessoa reprovada em um concurso tente novamente a seleção em outra oportunidade.

Família espera justiça

Para os familiares de Gabriel, a prisão de Vinicius representa um sinal de que a justiça será feita. "A prisão dele é muito importante porque, assim, a gente acredita que existe Justiça. Sabemos que ainda tem muita coisa para acontecer, mas isso já nos dá uma esperança de que o caso do Gabriel não será mais um caso isolado", afirmou Fátima Taddeo, tia de Gabriel e advogada da família.

A família acredita que a punição do PM pode ajudar a combater a violência policial que atinge principalmente jovens negros nas periferias. O caso gerou repercussão e tem mobilizado movimentos sociais e defensores dos direitos humanos.

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