Interrogatório de Bolsonaro no STF surpreende por tom amistoso com Moraes
Durante depoimento, ex-presidente negou plano golpista e fez piadas com o ministro relator do processo
Por Plox
11/06/2025 09h17 - Atualizado há 2 dias
A tensão que historicamente marcou a relação entre Jair Bolsonaro e o ministro Alexandre de Moraes foi substituída por uma surpreendente cordialidade durante o interrogatório realizado no Supremo Tribunal Federal (STF), na terça-feira (10). Réu em um processo que investiga uma possível tentativa de golpe de Estado após sua derrota nas eleições de 2022, o ex-presidente respondeu a todas as perguntas de forma calma e cooperativa.

Ao lado de seus advogados e diante dos ministros Moraes e Luiz Fux, de representantes da Procuradoria-Geral da República e de defensores de outros réus, Bolsonaro evitou recorrer ao direito constitucional de permanecer em silêncio. Ele buscou enfatizar, durante o depoimento, que jamais teve intenção de romper com a Constituição, destacando que procurou, apenas, alternativas legais diante da multa de R$ 22 milhões aplicada ao PL pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Em suas palavras, tais alternativas foram exploradas após o bloqueio de uma tentativa de contestação do resultado das eleições, mas logo foram descartadas. Sobre as minutas de decretos golpistas, Bolsonaro minimizou sua importância, dizendo que o documento sequer possuía cabeçalho ou assinatura e que foi exibido rapidamente em uma reunião informal. Ele negou envolvimento nos ataques de 8 de janeiro de 2023 e afirmou desconhecer qualquer plano para assassinar autoridades, como o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin ou o próprio Moraes.
Em um momento que chamou atenção, o ex-presidente convidou Moraes a ser seu vice em 2026. A resposta veio com bom humor: \"Eu declino\", disse o ministro, arrancando risos da sala. O clima descontraído se repetiu em diversas ocasiões durante os dois dias de interrogatórios, que envolveram Bolsonaro e outros sete réus acusados de integrar o núcleo central de um plano para impedir a posse de Lula.
Juristas consultados divergem sobre os efeitos do depoimento. Para o professor da PUC-RS Aury Lopes Júnior, Bolsonaro demonstrou habilidade ao se comunicar com clareza, surpreendendo quem esperava um desempenho verbal mais limitado.
\"Ele buscou afastamento total de qualquer imagem de golpe... Foi muito corajoso ao se dispor a responder às perguntas do relator\"
, destacou.
O especialista também observou que Bolsonaro foi estratégico ao pedir desculpas a Moraes por manifestações anteriores consideradas agressivas. \"Ele atribuiu essas atitudes a rompantes de sua personalidade e reconheceu excessos. Isso é uma maneira inteligente de contornar situações difíceis.\"
Em contraste, o professor da USP Rafael Mafei entende que o tom amistoso pode ser mal recebido por apoiadores mais radicais. \"O comportamento dele destoa da postura de enfrentamento ao STF que ele mesmo sempre promoveu\", afirmou. Segundo Mafei, a deferência de Bolsonaro diante de Moraes pode ser interpretada como uma ruptura com a narrativa combativa que marcou seu governo.
A comparação feita por Mafei com generais argentinos julgados em 1985 ilustra sua crítica: enquanto aqueles se recusaram a reconhecer o tribunal e permaneceram em silêncio, Bolsonaro respondeu com leveza e piadas.
Apesar do cenário mais ameno, os juristas são unânimes ao afirmar que o impacto do depoimento no julgamento será limitado. A defesa ou negação de um crime, por si só, não tem peso decisivo. A avaliação final dependerá da análise das provas já reunidas, como mensagens, documentos, geolocalização e o conteúdo da colaboração premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
O caso segue em tramitação na Primeira Turma do STF, composta pelos ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Flavio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Após os interrogatórios, será aberta a fase para pedidos de diligências complementares, seguida pelas alegações finais. Em seguida, o relator emitirá seu voto e o julgamento será agendado.
Resta saber como os bolsonaristas mais fiéis irão reagir ao novo tom adotado por Bolsonaro diante da Corte que tanto criticou. \"Com bons cortes, faz-se de tudo\", resumiu Mafei, referindo-se ao potencial de manipulação do depoimento nas redes sociais.