Privatização das escolas estaduais em Minas Gerais gera críticas e debate na ALMG

Participantes de audiência pública apontam ameaças à educação e aos direitos sociais com a implementação do Projeto Somar pelo Governo de Minas Gerais.

Por Plox

11/11/2024 21h03 - Atualizado há 3 meses

Em audiência realizada nesta segunda-feira (11/11), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia promoveu um amplo debate sobre a privatização de escolas públicas no estado, tema centralizado no Projeto Somar, uma iniciativa da Secretaria de Estado de Educação (SEE) para repassar a gestão de escolas a Organizações da Sociedade Civil (OSCs). O projeto, em fase piloto em três escolas de Belo Horizonte, gerou críticas intensas, com especialistas e representantes de várias áreas afirmando que a proposta compromete princípios constitucionais e ameaça a função social do Estado.

Foto: Guilherme Bergamini/ALMG

Críticas à constitucionalidade e precarização dos direitos trabalhistas

Eduardo Ferreira, assessor jurídico da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), destacou vícios inconstitucionais na proposta, afirmando que o modelo facilita a contratação de profissionais sem concurso público e sem respeito ao piso salarial. Segundo ele, "desde o início do projeto, em 2021, o próprio governo reconhece que os profissionais que estão lotados nessas escolas não precisam ser contratados por concurso público nem receber o piso salarial". Atualmente, a rede estadual conta com cerca de 80 mil professores temporários, enquanto somente 17 mil são efetivos. Ferreira alertou que a privatização pode agravar essa realidade, subvertendo o princípio constitucional do concurso público.

Visão de mercado e disputa por fundos públicos

O cientista político Rudá Ricci, presidente do Instituto Cultiva, afirmou que a intenção por trás do Projeto Somar é transformar a gestão educacional em um negócio lucrativo, favorecendo interesses empresariais. Para ele, a educação passa a ser vista como um "mercado", e não mais como um serviço público essencial. Ricci criticou o uso de métricas de avaliação de desempenho como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que segundo ele "coloca um padrão de aluno ideal" e não considera a realidade social dos estudantes. Ele defende que a educação seja valorizada enquanto prática de cuidado e interação humana, e não reduzida a estatísticas.

Falta de transparência na aplicação dos recursos

Gaia Nunes Cruz, diretora da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), alertou que o modelo de parceria com OSCs compromete a transparência. "Nós pagamos pela escola pública com nossos impostos, ela não é gratuita. Quando o dinheiro que pagamos vai para a iniciativa privada, nós não sabemos de fato para onde ele vai", afirmou. Segundo a estudante, as OSCs não possuem obrigação de divulgar o destino dos recursos recebidos, prejudicando o acompanhamento pela sociedade.

Experiência do Paraná expõe dificuldades na privatização escolar

Walkiria Mazeto, presidenta do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (App-Sindicato), apresentou a experiência do estado com o projeto Parceiro da Escola, semelhante ao Projeto Somar. Implementado em 2022, o programa terceiriza a gestão administrativa e de infraestrutura das escolas para empresas privadas. Em seu relato, Mazeto apontou falta de transparência e risco à autonomia escolar, uma vez que o projeto permite que as empresas parceiras definam as diretorias das escolas, sem participação da comunidade.

Suspensão temporária e resistência ao modelo privatizante

A deputada Beatriz Cerqueira (PT), presidenta da Comissão de Educação, foi uma das principais vozes críticas contra o Projeto Somar. Ela anunciou que o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG) suspendeu o último edital de credenciamento das OSCs após denúncia de irregularidades. "Conseguimos uma liminar, mas o governo não desistiu desse modelo nem foi convencido do contrário", disse. A parlamentar revelou que algumas OSCs credenciadas não possuem experiência na área educacional, atuando, por exemplo, no setor de energia fotovoltaica.

Ameaças ao futuro da educação pública em Minas Gerais

Beatriz Cerqueira demonstrou preocupação com o avanço de projetos de privatização no estado, incluindo o programa Trilhas do Futuro, que também adota um modelo mercantil de educação. Em resposta, a parlamentar informou que está propondo uma emenda ao Orçamento de 2025 para impedir novos investimentos públicos em parcerias privadas na educação, defendendo que a rede estadual deve permanecer sob gestão pública.

Destaques