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Saúde
SUS amplia mamografia para mulheres de 40 a 74 anos em meio a desafios de acesso
Nova diretriz do Ministério da Saúde atende demanda histórica e ajusta rastreamento ao perfil epidemiológico do câncer de mama no Brasil, mas especialistas alertam para gargalos de estrutura, desigualdade regional e continuidade do cuidado no SUS.
11/12/2025 às 08:56por Redação Plox
11/12/2025 às 08:56
— por Redação Plox
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A ampliação do acesso à mamografia pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para mulheres a partir dos 40 anos, anunciada em setembro pelo Ministério da Saúde, foi recebida com entusiasmo por sociedades médicas que há anos defendiam essa mudança. A medida atualiza a diretriz oficial, que até então recomendava o exame apenas para mulheres de 50 a 69 anos, em intervalos de dois anos.
Apesar do avanço, a nova regra reacende uma discussão central na saúde pública: como transformar a diretriz em acesso real, em um sistema que já enfrenta dificuldades para atender plenamente a faixa etária originalmente priorizada, de 50 a 69 anos.
Por muito tempo, houve uma discrepância entre a recomendação brasileira e a orientação das sociedades médicas. A mastologista Danielle Martin Matsumoto, do Hospital Israelita Albert Einstein, lembra que essas entidades já indicam há anos o início do rastreamento aos 40 anos, com realização anual da mamografia, enquanto a diretriz nacional de 2015 mantinha início apenas aos 50 anos, a cada dois anos.
Mamografia: ampliação no SUS esbarra em desafios de acesso
Foto: Reprodução
Diferentes realidades epidemiológicas
A discussão sobre a idade para início do rastreamento também passa pelas diferenças entre o perfil de adoecimento no Brasil e em outros países que adotam diretrizes mais tardias. Segundo Matsumoto, a idade média de incidência do câncer de mama é menor entre as brasileiras do que em contextos usados como referência internacional.
Nos Estados Unidos, a idade média de diagnóstico gira em torno de 62 anos; no Brasil, esse valor é de 52 anos. Além disso, mais de 20% das mulheres brasileiras recebem o diagnóstico antes dos 45 anos, o que reforça a necessidade de olhar com atenção para faixas etárias mais jovens.
A redução da idade mínima para a mamografia amplia o potencial de diagnóstico precoce, mas não garante, por si só, maior acesso. Hoje, o país adota um modelo de rastreamento considerado oportunístico: a mulher precisa procurar espontaneamente uma unidade básica de saúde para solicitar o exame, dependendo da disponibilidade de um profissional para emitir o pedido.
Esse primeiro passo já representa um obstáculo relevante, tanto pela falta de informação sobre direitos quanto pela ausência de médicos ou enfermeiros em determinadas unidades. Mesmo quando a solicitação é emitida, o percurso até o mamógrafo é marcado por desigualdades regionais.
Desigualdades regionais e gargalos na rede
Em áreas remotas ou com baixa densidade populacional, chegar a um serviço que disponha de mamógrafo pode ser difícil. Além da distância, há entraves no agendamento, na disponibilidade de vagas e na qualidade dos laudos. A necessidade de garantir profissionais em número suficiente para interpretar os exames tem levado especialistas a apontar a telemedicina como possível aliada, desde que implantada com organização e critérios técnicos claros.
O governo federal prevê o uso de unidades móveis para diminuir distâncias e ampliar cobertura. Essas estruturas itinerantes podem aumentar o número de exames realizados, mas especialistas alertam que isso não basta para assegurar o diagnóstico precoce se não houver continuidade da assistência, com retorno rápido dos resultados, encaminhamento para investigação complementar e início oportuno do tratamento quando necessário.
O mastologista Luiz Ayrton Santos Junior, presidente da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), destaca que muitas vezes o exame é feito em unidades móveis sem o devido acompanhamento posterior, o que reduz o impacto real na mortalidade. Ainda assim, ele avalia que a ampliação do acesso no SUS atende a uma demanda histórica e pode permitir que casos hoje fora do radar sejam detectados em estágios mais iniciais.
Incidência elevada e expectativa de impacto na mortalidade
No Brasil, excluídos os tumores de pele não melanoma, o câncer de mama é o tipo de câncer mais incidente em mulheres de todas as regiões, de acordo com o documento “Controle de câncer de mama no Brasil: dados e números 2025”, do Instituto Nacional de Câncer (Inca). Para cada ano do período de 2023 a 2025, são estimados 73.610 novos casos, o equivalente a uma incidência de 41,89 casos por 100 mil mulheres, com taxas mais elevadas nas regiões Sul e Sudeste.
A expectativa é que um maior volume de diagnósticos em fases iniciais ajude a reduzir os índices de mortalidade por câncer de mama. Estudos indicam que o uso da mamografia anual em duas incidências (dois posicionamentos da mama) está associado a uma redução global da mortalidade em torno de 30%. Em mulheres com menos de 50 anos, o benefício tende a ser um pouco menor, na faixa de 20% a 25%, mas ainda considerado expressivo pelos especialistas.
Os desafios, porém, se intensificam em pacientes mais jovens. Mulheres nessa faixa etária costumam ter mamas mais densas, o que aumenta o risco de resultados falso-negativos — quando um nódulo existente não é identificado — e de biópsias desnecessárias. Esse cenário exige maior preparo técnico das equipes e infraestrutura adequada para complementar a investigação diagnóstica.
Custo para o sistema e otimização de recursos
A ampliação do rastreamento também tem implicações econômicas para o SUS. Identificar tumores em estágios avançados costuma demandar cirurgias mais extensas e tratamentos mais caros, com maior número de sessões de quimioterapia e radioterapia, entre outras intervenções. Quando o câncer é diagnosticado precocemente, os custos tendem a ser menores, assim como o impacto físico e emocional sobre as pacientes.
Nessa perspectiva, a detecção precoce é vista como uma estratégia de otimização de recursos e de ampliação das chances de sobrevivência. O presidente da Femama destaca que, quanto mais cedo o tumor é identificado, menores são as despesas para o sistema público e melhores são os desfechos em termos de qualidade e expectativa de vida.
Decisão compartilhada e rastreamento ativo
A nova norma do Ministério da Saúde estabelece que a realização da mamografia deve ser fruto de decisão compartilhada entre paciente e médico. Na prática, especialistas apontam que o conceito de decisão clínica compartilhada ainda não está claramente difundido no país, o que pode gerar dúvidas e, eventualmente, negativas na solicitação do exame, mesmo após a ampliação da faixa etária contemplada.
Uma das propostas defendidas por entidades da área é a criação de um programa nacional de rastreamento ativo, em que as mulheres sejam convocadas pelo próprio sistema de saúde para realizar a mamografia, e não dependam apenas da iniciativa individual de procurar atendimento.
Para Danielle Matsumoto, a inclusão formal das mulheres de 40 a 49 anos nas diretrizes do Ministério da Saúde tende a reduzir a frequência de negativas na rede pública, embora ainda deixe parte da decisão sujeita à interpretação de cada profissional, sobretudo em um cenário de recursos limitados.
Faixa etária ampliada e necessidade de monitoramento
A nova diretriz não só antecipa o início do rastreamento, como também amplia a idade máxima recomendada para a mamografia, passando a abranger mulheres até 74 anos. A partir desse ponto, torna-se essencial uma avaliação individualizada dos riscos e benefícios do exame, levando em conta condições de saúde, expectativa de vida e características dos tumores.
Entre mulheres acima dos 74 anos, são mais comuns tumores de crescimento lento e situações clínicas que exigem análise caso a caso. Especialistas apontam que a continuidade do rastreamento nessa faixa etária deve ser discutida de forma personalizada, evitando tanto a suspensão automática quanto a realização indiscriminada de exames.
Para organizações ligadas à defesa de pacientes e à oncologia mamária, a ampliação da mamografia no SUS representa um passo importante, mas só terá impacto concreto se vier acompanhada de planejamento, financiamento adequado e gestão eficiente. A forma como os recursos serão alocados e como a rede será organizada — da atenção básica à alta complexidade — definirá se a nova diretriz ficará apenas no papel ou se se traduzirá em mais diagnósticos precoces e menos mortes por câncer de mama no país.