Apostas esportivas comprometem orçamento familiar das classes D e E
Simultaneamente, as despesas com lazer e cultura caíram de 1,7% para 1,5%, enquanto os gastos com alimentação se mantiveram constantes.
Por Plox
12/08/2024 05h59 - Atualizado há 5 meses
O aumento das apostas esportivas online no Brasil tem causado uma significativa mudança no padrão de consumo das classes socioeconômicas de menor poder aquisitivo, impactando negativamente a percepção da melhoria da economia nacional, que inclui o aumento da renda, o crescimento do emprego e o controle da inflação.
Impactos na economia e no consumo essencial
A empresa PwC Strategy& do Brasil Consultoria Empresarial Ltda, vinculada à multinacional PricewaterhouseCoopers, avaliou que os gastos com apostas esportivas têm superado outras despesas discricionárias, como lazer, cultura e até mesmo itens básicos de consumo, como alimentação. O economista e advogado Gerson Charchat, sócio e líder da Strategy& do Brasil, destacou que "esse desvio de recursos para as apostas exerce uma pressão considerável sobre a demanda por produtos essenciais, afetando a dinâmica da economia de forma geral."
Desde a aprovação da Lei nº 13.756 em 2018, que regulamentou as apostas esportivas, o Brasil testemunhou um aumento de 419% nos gastos com esse tipo de atividade. Especificamente, as classes D e E, que anteriormente destinavam 0,27% de seu orçamento familiar para apostas, agora alocam 1,98%, um aumento quase quatro vezes maior. Simultaneamente, as despesas com lazer e cultura caíram de 1,7% para 1,5%, enquanto os gastos com alimentação se mantiveram constantes.
Crescimento do endividamento e impacto social
As apostas esportivas, segundo Charchat, têm se tornado uma preocupação crescente, principalmente entre os jovens das camadas sociais mais vulneráveis. "O fenômeno pode gerar, inclusive, um aumento no endividamento entre a população de baixa renda, o que pode trazer impactos negativos para o crescimento econômico do país."
Pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) também revela que, entre os apostadores, 64% admitem utilizar parte de sua renda principal para apostas. Desse grupo, 63% reconhecem que tiveram sua renda comprometida, levando 23% a deixar de comprar roupas, 19% a cortar itens de mercado, 14% a reduzir gastos com produtos de higiene e beleza, e 11% a sacrificar cuidados com saúde e medicações.
Desafios de regulamentação e consequências sociais
A economista Ione Amorim, consultora do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), afirma que o problema das apostas online escalou, com efeitos econômicos, sociais e de saúde mental que ainda não foram plenamente estimados. Segundo Amorim, "hoje a gente já tem uma realidade de suicídio, de destruição de lares, de endividamento, de pessoas que já perderam o emprego porque já envolveram tudo que tinham."
Além disso, Amorim destaca que a falta de educação financeira torna as classes mais pobres particularmente vulneráveis. Muitas vezes, essas famílias veem nas apostas uma possibilidade de resolver problemas financeiros urgentes, embora o risco de perda seja substancial. "O ganho fácil vai levar a pessoa a um ambiente onde pode haver perdas significativas", alerta a economista, ressaltando que os sistemas de apostas são baseados em algoritmos que aumentam as chances de perda.
PL 2234 e a potencial ampliação dos jogos de azar
A situação pode se agravar com a possível aprovação do Projeto de Lei nº 2.234/2022, atualmente em tramitação no Senado, que busca legalizar cassinos, bingos, jogo do bicho e corridas de cavalos em todo o país. Embora a legalização desses jogos seja defendida pela possibilidade de gerar emprego, renda e tributos para financiar políticas sociais, os impactos negativos não devem ser subestimados.
Até o momento, nenhuma receita foi arrecadada pelas plataformas eletrônicas de apostas em operação no Brasil, e o recolhimento de tributos só terá início após a regulamentação oficial pelo Ministério da Fazenda, prevista para ocorrer até o final do ano. Os críticos do projeto argumentam que, além da tributação esperada, há um aumento nas despesas públicas com segurança e saúde mental que não foi devidamente contabilizado.