Debate sobre privatização do ensino público revela irregularidades e impactos na educação em Minas Gerais
Participação de especialistas e representantes da comunidade escolar denuncia falta de transparência e aponta desempenho abaixo da média das escolas geridas pelo projeto Somar.
Por Plox
12/11/2024 08h08 - Atualizado há cerca de 1 mês
A presidenta da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), deputada Beatriz Cerqueira (PT), alertou sobre irregularidades nas organizações sociais (OSs) selecionadas para gestão de escolas públicas em Minas Gerais por meio do projeto Somar. Durante o debate, realizado nesta segunda-feira (11/11), Cerqueira mencionou que uma das OSs habilitadas pelo governo responde a 210 processos no Tribunal Regional do Trabalho. Em tom de crítica, ela comentou: "Acho que é uma regra (para habilitação) responder na Justiça do Trabalho".
Cerqueira destacou também o resultado de uma auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que revelou que a entidade responsável pela gestão de três escolas do projeto não apresentou prestação de contas sobre o uso dos recursos. Outras organizações sociais selecionadas, segundo a deputada, atuam em áreas alheias à educação, como televisão e iluminação pública.
Transparência em debate
A promotora de Justiça Ana Carolina Zambom, do Ministério Público de Minas Gerais, criticou a ausência de transparência no projeto Somar. Ela apontou que Minas Gerais é o único estado que optou pela terceirização pedagógica por meio de OSs, diferentemente de outras regiões que optaram por parcerias público-privadas. “É incontroverso: falta transparência e consulta à comunidade escolar”, enfatizou a promotora.
A analista Rachel Carvalho, do Tribunal de Contas de Minas Gerais, acrescentou que é urgente dar mais visibilidade aos indicadores do projeto e revisar as práticas de monitoramento de resultados. Ela destacou que, apesar da suspensão do edital de expansão para 80 novas escolas, o governo deve esclarecer questões fundamentais, como a destinação de professores e alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Desempenho abaixo da média estadual
Diego Rossi, do Dieese e coordenador técnico do Sind-Ute/MG, apresentou dados de desempenho das três escolas estaduais sob gestão do Somar, indicando que duas delas possuem taxas de aproveitamento inferiores à média estadual. Enquanto a média estadual de aproveitamento foi de 78% no primeiro semestre de 2024, as escolas Maria Andrade Resende e Coronel Adelino Castelo Branco registraram 73% e 75%, respectivamente. Apenas a escola Francisco Menezes Filho obteve resultado acima da média, com 83%.
Rossi também destacou o crescente descontentamento dos estudantes e da comunidade escolar com a gestão privada. De acordo com o sindicalista, 38% dos alunos expressaram insatisfação com a administração privada de suas escolas, e o índice de desaprovação entre membros da comunidade escolar chegou a 32%.
Exclusão de alunos da EJA
A exclusão de alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) foi outro ponto abordado no debate. Analise de Jesus da Silva, coordenadora do Fórum Estadual Permanente de Educação de Minas Gerais (Fepemg), relatou que todas as turmas de EJA foram encerradas nas três escolas administradas pelo Somar. Ela mencionou o impacto social dessa decisão, ao relatar que, de 339 alunos matriculados em 2021, apenas 13 seguiram nos estudos em 2023. A coordenadora entregou uma proposta de lei à deputada Beatriz Cerqueira visando garantir que a EJA seja mantida nessas instituições.
Somar como estratégia de inovação, segundo o governo
A subsecretária de Estado de Desenvolvimento da Educação Básica, Kellen Silva Senra, defendeu o Somar, afirmando que o projeto busca soluções inovadoras para a gestão escolar. Ela esclareceu que a parceria com OSs visa fortalecer a qualidade da educação sem privatizar as escolas, que, segundo ela, continuam sendo públicas. Senra assegurou que o Somar não pretende acabar com concursos públicos e será implantado de forma limitada.
Durante a fala da subsecretária, estudantes manifestaram-se contra o que chamaram de "privatização da educação", protestando contra as mudanças propostas pelo governo de Minas.
Privatização indireta e precarização dos docentes
Neide Santos, professora da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), alertou para o que considera uma "privatização indireta", com a introdução de práticas empresariais na educação pública. Segundo a professora, o projeto Somar altera a forma de contratação dos professores, que agora são admitidos pela CLT e não mais pelo regime estatutário, aumentando a precarização do trabalho docente. Santos destacou que a nova estrutura tende a responsabilizar professores e gestores pelos resultados sem oferecer as condições de trabalho adequadas.
Visão crítica de especialistas e sindicalistas
Marcelle Dias, diretora do Sind-UTE-MG, questionou a subsecretária e criticou o projeto por transformar a educação em "um balcão de negócios". Dias defendeu que as melhorias na educação poderiam ser alcançadas com a valorização dos profissionais e cumprimento do piso salarial dos professores, sem a necessidade de privatização.
Giulia Rocha, presidenta da União Colegial de Minas Gerais (UCMG), afirmou que a educação pública deve ser conduzida por aqueles que compreendem as necessidades dos alunos e professores, e criticou a delegação da gestão escolar para empresas e organizações empresariais, considerando a medida "irresponsável".
O debate trouxe à tona as preocupações da comunidade escolar e as demandas por maior transparência e diálogo nas decisões sobre a administração das escolas estaduais em Minas Gerais.