Exigência de CPF e RG impede contato de presos estrangeiros com familiares no exterior

Justiça determina que governo de São Paulo garanta visitas virtuais a presos estrangeiros; medida visa assegurar igualdade de tratamento no sistema prisional.

Por Plox

12/12/2024 11h15 - Atualizado há 3 meses

Presos estrangeiros no estado de São Paulo estão sem contato com seus familiares no exterior há mais de quatro anos devido a uma exigência de CPF e RG para o cadastro de visitas virtuais, conforme estabelecido pela Secretaria de Administração Penitenciária (SAP). A situação foi denunciada pelo Consulado das Filipinas e levou a Defensoria Pública da União (DPU) a obter uma liminar judicial que obriga o governo paulista a implementar medidas que garantam igualdade de tratamento entre presos brasileiros e estrangeiros.

De acordo com a DPU, a falta de contato afeta não apenas os presos filipinos que fizeram a denúncia inicial, mas também outros 1.158 estrangeiros sob custódia no sistema prisional paulista. Desse total, 977 são homens, a maioria deles na Penitenciária de Itaí, e 181 são mulheres distribuídas entre a Penitenciária Feminina de Sant'Ana e os Centros de Progressão Penitenciária (CPPs) de São Miguel Paulista e Butantã.

 

Foto: Pixabay

A maior parte dos estrangeiros presos responde por tráfico internacional de drogas e não tem condições financeiras de arcar com as despesas de viagem para visitas presenciais de familiares. Assim, as visitas por vídeo seriam a principal forma de manter o vínculo familiar. No entanto, o site do programa “Conexão Familiar”, criado pela SAP para organizar o contato entre presos e familiares, exige a inserção de CPF e RG para o agendamento das chamadas. Como familiares estrangeiros não possuem esses documentos brasileiros, o cadastro se torna inviável.

Denúncia e liminar judicial

A denúncia inicial foi feita pelo Consulado das Filipinas após a prisão de dois cidadãos filipinos em São Paulo. O consulado afirmou que, segundo as normas da própria SAP, esses presos teriam direito ao uso de visitas virtuais, mas, mesmo assim, não conseguiam se comunicar com seus parentes. A Defensoria Pública da União, ao longo de 2024, enviou ao menos quatro ofícios ao governo de São Paulo cobrando providências.

Diante da falta de resposta efetiva, a Defensoria, em conjunto com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, entrou com uma ação civil pública. No início de novembro, a Justiça determinou que a SAP apresentasse, em até 30 dias, um cronograma de medidas para garantir as visitas virtuais de estrangeiros nas mesmas condições que as visitas de presos brasileiros. A decisão foi proferida pela juíza Luiza Barros Rozas Verotti, da 13ª Vara de Fazenda Pública, que destacou a importância de preservar os laços familiares para a reintegração social dos presos.

"A Constituição Federal e as leis de execução penal garantem o direito à visita dos presos. No entanto, os estrangeiros não têm tido esse direito assegurado, já que seus familiares não possuem documentos brasileiros, como CPF e RG, necessários para o cadastro", afirmou a juíza.

Impacto nos direitos humanos

O defensor regional dos direitos humanos da DPU, Erico Oliveira, classificou a situação como uma violação de direitos. Segundo ele, o único recurso atualmente disponível para os familiares dos presos seria o envio de cartas físicas, mas o custo de envio internacional é considerado proibitivo para muitos. Oliveira ainda destacou que não há garantia de que os presos tenham acesso frequente ao e-mail, o que agrava o problema.

“O programa não está vedado por uma lei específica, mas sim pela falta de atos práticos para a sua implementação. No momento, os presos estrangeiros só têm a possibilidade de receber cartas físicas, e todos sabemos que a postagem internacional é cara. Sem contato com a família, muitos enfrentam dificuldades emocionais, como a depressão", afirmou Oliveira.

O advogado criminalista Carlos Augusto Passos, especialista em direitos humanos, reforçou que a ausência de comunicação afeta a dignidade dos presos. Ele citou o caso de um cliente filipino que ficou preso por 10 meses e não conseguiu falar com a família durante o período. "Ele sofreu emocionalmente com a falta de notícias. Mesmo com os advogados repassando informações, não era o mesmo que ouvir diretamente de seus parentes", afirmou Passos.

Questão pode ter repercussão internacional

Embora a ação civil pública tenha sido ajuizada com foco no sistema prisional de São Paulo, a Defensoria Pública da União alerta para a possibilidade de o problema se repetir em outros estados brasileiros. Segundo a DPU, o Brasil, ao não cumprir compromissos internacionais de proteção aos direitos dos presos estrangeiros, pode expor cidadãos brasileiros detidos no exterior a condições semelhantes.

“Quando o Brasil não respeita os direitos de presos estrangeiros, isso se torna um argumento para que outros países também não respeitem os direitos de brasileiros detidos no exterior”, disse o defensor Erico Oliveira.

O alerta ganhou força após um ofício obtido pela DPU, datado de julho de 2023, em que o diretor técnico da Penitenciária de Itaí nega o pedido de familiares de dois presos chilenos, sob o argumento de que o programa de visitas virtuais ainda não havia sido regulamentado. No documento, o diretor afirma que atender ao pedido poderia abrir precedentes para que outros familiares solicitassem o mesmo direito antes da conclusão do programa.

Posição do governo e próximas etapas

A Secretaria de Administração Penitenciária informou que as unidades de referência para a custódia de presos estrangeiros no estado de São Paulo são a Penitenciária de Itaí (para homens) e a Penitenciária Feminina de Sant’Ana (para mulheres em regime fechado), além dos Centros de Progressão Penitenciária (CPPs) Femininos de São Miguel Paulista e Butantã, que abrigam mulheres em regime semiaberto.

A SAP reconheceu a existência de 1.158 presos estrangeiros no estado e afirmou que o caso está sob análise da Procuradoria Geral do Estado (PGE-SP). A Procuradoria tem até o final de dezembro de 2024 para recorrer da decisão judicial que obriga a implementação de medidas para permitir o contato virtual entre presos e seus familiares.

A reportagem também procurou o Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty), o Ministério da Justiça e o Ministério dos Direitos Humanos para comentar o caso. O Itamaraty e o Ministério dos Direitos Humanos alegaram que o assunto está sob a responsabilidade do Ministério da Justiça, que não se posicionou até o momento.

Até o momento, o sistema de visitas virtuais para presos estrangeiros continua "em fase de implementação", sem data para a conclusão.

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