Mulher usou quatro identidades para fraudar pensões militares e causou prejuízo de R$ 5 milhões

Com dois CPFs, duas carteiras de identidade e dois títulos de eleitor, mulher recebia pensões militares de forma ilegal como filha, irmã e viúva de ex-militares

Por Plox

12/12/2024 11h04 - Atualizado há 3 meses

Uma mulher de 74 anos, que ao longo da vida assumiu as identidades de Raimunda Goes Gonçalves, Raimunda Goes Gonsalves, Ruth Gois Gonçalves e Ruth Gonçalves Bunn, é acusada de aplicar um golpe milionário contra as Forças Armadas. Usando dois CPFs, duas carteiras de identidade e dois títulos de eleitor, ela conseguiu acessar, de forma irregular, três pensões militares. O prejuízo aos cofres públicos foi calculado em R$ 5,1 milhões, valor corrigido até o momento em que os pagamentos foram interrompidos, em março de 2021.

A história começou com o nascimento de Raimunda, em 1951. Com o passar dos anos, ela passou a utilizar o nome de "Ruth", após a mãe supostamente conseguir uma nova certidão de nascimento em Mesquita (RJ). Quando se casou, acrescentou o sobrenome "Bunn" ao seu nome.

A partir dessas múltiplas identidades, ela recebeu pensões de três maneiras distintas. Usando o nome de solteira (Raimunda), habilitou-se como beneficiária de duas pensões militares: uma como irmã de um 2º sargento da Aeronáutica, em 2003, e outra como filha de um ex-militar da Marinha, em 2004. No entanto, as regras não permitiam esses benefícios, já que ela era casada há mais de 30 anos e, portanto, não se enquadrava na condição de "filha ou irmã solteira", exigida pela legislação.

Com a morte do marido, um suboficial da Aeronáutica, em 2006, ela deu entrada na pensão como viúva, mas desta vez usou a identidade de Ruth. Assim, manteve três matrículas de pensão ativa, realizava três provas de vida anualmente e ocultava de cada uma das Forças Armadas o recebimento dos demais benefícios.

O Tribunal de Contas da União (TCU), ao analisar o caso, apontou a gravidade dos atos praticados. De acordo com o relatório técnico, a mulher “deliberadamente fez uso da documentação obtida com as duas certidões de nascimento para constituir duas identidades e habilitar-se a pensões distintas: uma na Marinha e duas na Aeronáutica". Além disso, para manter o esquema em funcionamento, apresentava duas declarações de imposto de renda, contratando contadores diferentes, e chegava a votar duas vezes em eleições para garantir os comprovantes de votação de cada uma de suas identidades.

Após a denúncia, os pagamentos das pensões foram encerrados em 2021. No Superior Tribunal Militar (STM), a mulher foi condenada por estelionato, com pena de 2 anos, 4 meses e 24 dias de reclusão, em regime inicialmente aberto. Ela pode recorrer em liberdade. Procurados, a mulher e seu advogado não se manifestaram.

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Outro caso semelhante revela esquema de múltiplas pensões

O caso de Raimunda/Ruth não é o único registrado pelas Forças Armadas. Outra mulher, Maria da Conceição Mendes Daumerie, de 76 anos, também foi condenada por utilizar dupla identidade para receber pensões militares de forma ilegal.

Maria da Conceição usava tanto o nome de solteira quanto o de casada, e assim, possuía dois CPFs e duas contas bancárias para o recebimento de proventos. Desde 1993, ela recebia uma pensão militar sob a alegação de ser "filha solteira", mas havia se casado em 1989. Anos depois, em 1997, com a morte do marido, solicitou e passou a receber a pensão de viúva. O valor recebido ilegalmente foi de R$ 416,5 mil, pagos entre 1994 e 2007.

No processo judicial, Maria confessou os atos e reconheceu que sabia não ter direito aos benefícios. Sua defesa argumentou que se tratava de uma idosa humilde, sem instrução, que utilizava os valores para sua própria subsistência. “A pessoa não tinha dinheiro para comer. Então, como a gente vai exigir que a pessoa corte a pensão?”, declarou o defensor público federal André Del Fiaco, responsável pelo caso.

Mesmo assim, o Superior Tribunal Militar (STM) manteve a condenação por estelionato, em novembro de 2020. Maria da Conceição foi condenada a 2 anos de reclusão, com direito de recorrer em liberdade.

O que dizem as Forças Armadas?

O Exército afirmou que as pensões militares passam por auditorias regulares, tanto de forma física quanto contábil. São analisadas as provas de vida, atualização de documentos, contracheques e ordens bancárias. Essas auditorias têm o objetivo de verificar a legalidade dos pagamentos e a conformidade com os requisitos exigidos por lei, como o teto de benefícios e o acúmulo de pensões.

A Força ressaltou que o monitoramento é contínuo e que, mensalmente, os benefícios de pensionistas falecidos são suspensos. Também são realizadas auditorias anuais para apurar se os valores pagos estão de acordo com as normas legais.

A Marinha e a Aeronáutica, embora questionadas sobre os casos, não se manifestaram.

Multipensões são ilegais

A Medida Provisória nº 2.215-10, de 2001, proíbe o acúmulo de duas pensões militares por uma mesma pessoa. No entanto, fraudes semelhantes às de Raimunda/Ruth e Maria da Conceição têm se tornado mais frequentes. Levantamento do TCU revelou um aumento expressivo na prática: enquanto em 2021 foram identificados 79 casos de acumulação indevida de pensões, em 2022 esse número saltou para 2.780 casos.

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