Cidades mineiras usam milhões em emendas Pix para bancar shows
Mais de 80 municípios gastaram R$ 29 milhões com apresentações musicais financiadas por emendas parlamentares desde 2023
Por Plox
13/10/2025 10h41 - Atualizado há cerca de 5 horas
O uso de emendas Pix por prefeituras de Minas Gerais para financiar shows de artistas renomados tem chamado a atenção em pleno ano eleitoral. Desde 2023, foram gastos R$ 29 milhões por 83 municípios mineiros em eventos musicais pagos com recursos repassados por deputados federais e estaduais, segundo levantamento realizado pelo Núcleo de Dados do jornal Estado de Minas, com base em informações do Congresso Nacional, Assembleia Legislativa e Tribunal de Contas.

Em cidades como Pirapetinga, com cerca de 11 mil habitantes, o impacto desses eventos é significativo. Em um vídeo publicado em maio, o prefeito Luiz Henrique (PL) agradeceu a destinação de R$ 600 mil pelo deputado Bruno Farias (Avante-MG) e, mesmo mencionando a saúde como prioridade, direcionou os recursos para shows de duplas como Matheus & Kauan e João Neto & Frederico.
Já em Itambacuri, no Vale do Rio Doce, o prefeito Jovani Santos (Avante) gastou R$ 340 mil em um show de Amado Batista realizado quatro meses antes da eleição, que terminou com sua reeleição por ampla margem: 67% dos votos. A concentração desses gastos em anos eleitorais é evidente. Em 2023, foram 40 repasses registrados. Em 2024, o número saltou para 153.
A cidade que lidera o ranking é Vespasiano, na Grande Belo Horizonte. Por lá, 13 shows realizados entre 2023 e 2024 somaram R$ 2,6 milhões. A programação incluiu nomes como César Menotti & Fabiano, Barões da Pisadinha e até o Padre Fábio de Melo. A prefeitura declarou que os recursos não tinham destinação obrigatória para áreas como saúde ou educação, sendo então usados para fortalecer a cultura e o turismo local.
Na sequência de Vespasiano, aparecem Pirapetinga (R$ 2,1 milhões), Ituiutaba (R$ 1,7 milhão), Gurinhatã (R$ 1,5 milhão), Itambacuri (R$ 1,2 milhão) e Nanuque (R$ 1 milhão). Em muitos casos, o valor elevado do cachê exigiu pagamentos parcelados. A prática, embora legal, é criticada por especialistas.
Para o cientista político Carlos Ranulfo, da UFMG, essas ações representam um uso distorcido das verbas públicas:
“Não estou falando de corrupção necessariamente, mas é de show que uma cidade pequena precisa?”
. Ele destaca que o modelo de emendas parlamentares enfraquece a renovação política e transforma o mandato em campanha permanente.
Os artistas, por sua vez, lucram bastante com o sistema. O cantor Leonardo recebeu R$ 1,8 milhão por apresentações financiadas com emendas Pix. César Menotti & Fabiano ultrapassaram R$ 1 milhão, seguidos por Guilherme Silva (R$ 835 mil), Matheus & Kauan (R$ 718 mil) e Clayton & Romário (R$ 690 mil). O maior cachê individual foi pago à dupla Jorge & Mateus: R$ 650 mil pela apresentação na Expopec Ituiutaba, em 2023.
Apesar do detalhamento das transferências especiais aos municípios, o levantamento não conseguiu identificar os deputados específicos responsáveis por cada repasse, já que uma mesma cidade pode receber recursos de vários parlamentares e as prestações de contas não especificam os autores.
A cientista política Juliana Fratini analisa que esse tipo de gasto é uma forma de marketing eleitoral:
“É um típico marketing de produto, onde o político se transforma no próprio produto ao associar seu nome a momentos positivos vividos pelo eleitorado”
.Tanto ela quanto Ranulfo defendem que o Supremo Tribunal Federal promova uma revisão constitucional do modelo, inclusive com a eliminação das emendas impositivas. Segundo Ranulfo,
“o orçamento no Brasil já é muito engessado e o Legislativo não deveria executar gastos públicos”
.
Ele completa afirmando que não há paralelo internacional para esse modelo de concentração de poder:
“Nenhum outro país no mundo faz isso. E, uma vez conquistado, esse poder dificilmente é devolvido pelo Congresso”
. Essa realidade, na sua visão, afeta tanto governos de esquerda quanto de direita, criando entraves permanentes à governabilidade.