Saúde

Brasil enfrenta risco de volta do sarampo após alerta internacional

País mantém certificação de eliminação, mas registra novos casos e índice vacinal abaixo do ideal, segundo OPAS

13/11/2025 às 07:17 por Redação Plox

O avanço do sarampo voltou a preocupar as autoridades em saúde das Américas. A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) comunicou nesta semana a perda do status de área livre de transmissão endêmica na região, após o Canadá registrar circulação contínua do vírus por mais de um ano.

A vacina tríplice viral protege contra sarampo, rubéola e caxumba

A vacina tríplice viral protege contra sarampo, rubéola e caxumba

Foto: PMBV/Divulgação

Imunização contra o sarampo

Imunização contra o sarampo

Foto: Divulgação/SES-TO


O Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, mantém a certificação de eliminação do sarampo, renovada em 2024. No entanto, o país voltou a detectar surtos localizados em 2025, com 34 casos confirmados até setembro, a maioria no Tocantins.

É um grande retrocesso para as Américas e um alerta para o Brasil. Mostra que todo o esforço para eliminar o sarampo precisa ser renovado Isabella Ballalai, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm)

Apesar de ainda não haver circulação sustentada do vírus no Brasil, especialistas destacam que a queda na cobertura vacinal e o avanço da desinformação causam vulnerabilidades.

Um levantamento da Fundação Getulio Vargas (FGV), divulgado em outubro, revelou que o país responde por 40% de toda a desinformação antivacina na América Latina e Caribe. O estudo mapeou 1,47 milhão de mensagens falsas circulando entre 2019 e 2025 em 1.785 comunidades do Telegram, com alegações como “danos neurológicos” e supostos “antídotos naturais” contra vacinas.

Surtos recentes e casos registrados no Brasil

Segundo dados do Ministério da Saúde, o Brasil confirmou 34 casos de sarampo entre janeiro e setembro de 2025, em sete estados: Tocantins (25), Mato Grosso (3), Rio de Janeiro (2), Maranhão (1), São Paulo (1), Distrito Federal (1) e Rio Grande do Sul (1). Após esse período, novos registros foram notificados.

O surto mais significativo ocorreu em Campos Lindos, Tocantins, após quatro brasileiros retornarem da Bolívia infectados, resultando em 25 infecções — sendo 22 entre moradores da cidade e três em pessoas de fora da comunidade.

No Rio de Janeiro, dois bebês menores de um ano, sem histórico vacinal, também foram diagnosticados, sem identificação da origem da infecção.

Casos esporádicos como esses não significam retorno da transmissão endêmica, mas indicam que o vírus ainda encontra brechas entre os não vacinados Ministério da Saúde

Sarampo: alto contágio e sintomas graves

O sarampo é considerado uma das doenças infecciosas mais contagiosas do mundo. O vírus é transmitido pelo ar e pode permanecer suspenso por até duas horas, facilitando a infecção em ambientes fechados.

O vírus do sarampo fica em suspensão no ar –é um aerosol. Se dez pessoas entram em contato com alguém infectado e não estão vacinadas, nove vão se contaminar. O sarampo não poupa suscetíveis Renato Kfouri, vice-presidente da SBIm e presidente da Câmara Técnica de Eliminação do Sarampo do Ministério da Saúde

Os sintomas abrangem febre alta, manchas avermelhadas pelo corpo, irritação ocular e conjuntivite. Em quadros graves, pode evoluir para pneumonia, encefalite, cegueira e, em crianças, pode ser fatal. Mesmo após a cura, há maior vulnerabilidade do organismo a outras infecções, o que torna o sarampo especialmente perigoso para crianças pequenas e desnutridas.

Cobertura vacinal: principal desafio

De acordo com a OPAS, a cobertura média da segunda dose da vacina tríplice viral nas Américas foi de 79% em 2024, abaixo dos 95% recomendados para conter surtos. No Brasil, a queda histórica das taxas de imunização explícita a fragilidade da proteção coletiva.

A primeira dose caiu de 96,0% em 2015 para 80,7% em 2022 — menor índice em quase dez anos. Em seguida, houve uma recuperação parcial: 90,5% em 2023, 95,8% em 2024 e 91,5% em 2025.

Já a taxa de aplicação da segunda dose — fundamental para consolidar a proteção populacional — apresentou trajetória ainda mais preocupante: 79,9% em 2015, 57,6% em 2022, 68,5% em 2023, 80,4% em 2024 e 75,5% em 2025.

A queda da cobertura vacinal é reconhecida como o fator central para a volta dos casos de sarampo. O Brasil ainda não alcançou o índice recomendado para imunidade coletiva.

O desafio agora é manter dois pilares: vigilância e vacinação. O Brasil tem feito bloqueios eficientes, mas precisa elevar a segunda dose. É o que garante proteção duradoura Renato Kfouri, vice-presidente da SBIm e presidente da Câmara Técnica de Eliminação do Sarampo do Ministério da Saúde

Desinformação e hesitação vacinal

Imunologistas apontam múltiplas causas para a hesitação vacinal, e a desinformação digital ocupa papel de destaque nesse cenário. O estudo da FGV mostrou que o Brasil é o epicentro regional da disseminação de boatos antivacinas, que vão desde supostas relações com infertilidade e autismo a teorias conspiratórias.

A vida corrida e a falsa sensação de segurança fazem com que famílias posterguem doses. A desinformação entra nesse cenário e amplifica o medo Isabella Ballalai, diretora da SBIm
A pandemia piorou a percepção de risco. As vacinas caíram no esquecimento e viraram alvo fácil. Quando a população deixa de ver a doença, acha que ela não existe mais Renato Kfouri, vice-presidente da SBIm e presidente da Câmara Técnica de Eliminação do Sarampo do Ministério da Saúde

Como funciona a certificação de eliminação do sarampo

O Brasil só recebe a certificação de eliminação quando é capaz de comprovar ausência de transmissão local por ao menos um ano inteiro, com base em critérios técnicos, como vigilância clínica, laboratorial e de fronteira, além de investigação e confirmação de todos os casos suspeitos.

Existem critérios técnicos claros: vigilância clínica, laboratorial e de fronteira. É preciso mostrar que você investigou casos suspeitos, coletou amostras no prazo certo, fez a segunda amostra confirmatória e atingiu os indicadores mínimos de vigilância Renato Kfouri, vice-presidente da SBIm e presidente da Câmara Técnica de Eliminação do Sarampo do Ministério da Saúde

Casos importados ou secundários, como os familiares de um infectado que viajou ao exterior, não caracterizam transmissão sustentada, desde que o vírus não circule por mais de 12 meses no país.

Esse critério é o que diferencia o cenário brasileiro do uruguaio, por exemplo, onde há transmissão sustentada sem relação com viagens.

Cenário considerado controlado, mas exige ação rápida

Apesar do alerta emitido pela OPAS, especialistas afirmam que a situação brasileira ainda é considerada sob controle e reversível.

O Brasil tem experiência e estrutura para conter o sarampo rapidamente, como já fez antes. Mas precisamos agir com rapidez e confiança Isabella Ballalai, diretora da SBIm
Com vacinação contínua e vigilância ativa, podemos eliminar o sarampo pela terceira vez. Mas isso depende de mobilizar a população e combater a desinformação com ciência Renato Kfouri, vice-presidente da SBIm e presidente da Câmara Técnica de Eliminação do Sarampo do Ministério da Saúde

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