Por que Lula não transferiu o cargo para Geraldo Alckmin durante internação
Presidente opta por seguir no comando mesmo hospitalizado e mobiliza discussões sobre simbolismo e imagem pública
Por Plox
13/12/2024 08h30 - Atualizado há 3 meses
Mesmo internado desde a última segunda-feira (9) no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu não transferir o cargo para o vice-presidente, Geraldo Alckmin. O petista segue coordenando as atividades do governo de forma remota e mantém contato com ministros e auxiliares, mesmo enquanto se recupera de dois procedimentos médicos para tratar de um hematoma na cabeça.

A decisão de Lula de não passar o cargo tem gerado análises entre especialistas e integrantes do meio político. De acordo com a Constituição, a transferência de poder para o vice-presidente só é obrigatória em caso de viagens internacionais ou de impedimento total do chefe do Executivo — o que, segundo auxiliares do governo, não se aplica ao caso. "Ele despachou os atos publicados e tem falado com os ministros por telefone", afirmou um dos assessores próximos ao presidente.
Internação e procedimentos médicos
A internação de Lula foi motivada por uma complicação causada por uma queda sofrida em outubro. Na madrugada de terça-feira (10), o presidente passou por uma trepanação — procedimento que consiste na abertura de um pequeno orifício no crânio — para remover um hematoma de cerca de três centímetros. Dias depois, ele realizou uma embolização da artéria meníngea média, um procedimento preventivo para evitar novos sangramentos, semelhante a um cateterismo.
De acordo com o cardiologista Roberto Kalil, chefe da equipe médica, Lula ficou sedado por pouco mais de uma hora e já estava consciente e conversando no mesmo dia. O presidente continua internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) privativa e ampla, o que lhe permite manter certa privacidade para tratar de assuntos do governo. A previsão é que Lula permaneça hospitalizado até a próxima terça-feira (17), e a recomendação médica é de que ele descanse até o final do ano, evitando viagens.
Atuação de Alckmin e agenda oficial
Com Lula hospitalizado, o vice-presidente Geraldo Alckmin assumiu parte de suas atribuições. Na terça-feira (10), Alckmin interrompeu sua agenda em São Paulo e voltou a Brasília para cumprir compromissos em nome do presidente, como o encontro com o premiê eslovaco Robert Fico. No entanto, Lula seguiu no comando de outras atividades, como a reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o "Conselhão", realizada na quinta-feira (12), por meio de participação remota.
Essa não foi a primeira vez que Lula optou por não passar o cargo. Em setembro de 2023, quando foi submetido a uma cirurgia no quadril, o presidente também decidiu continuar à frente do governo, coordenando as ações a partir do hospital.
Simbolismo e imagem pública
Para a professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mayra Goulart, a decisão de Lula tem uma dimensão simbólica. Segundo ela, o presidente, por ser uma figura representativa, enfrenta o desafio de não parecer "mortal" aos olhos da população. "Todo esse desafio sobre o afastamento do Lula, de ele não poder se afastar para se tratar como qualquer pessoa faria, é o fato de que ele é um símbolo, e um símbolo não pode ser mortal", explicou.
O cientista político Gabriel Goldfajn, do Centro de Economia e Política do Setor Público da Fundação Getulio Vargas (CEPESP/FGV), também vê uma lógica por trás da decisão. Segundo ele, a movimentação política em torno do governo está controlada e os principais temas, como o pacote fiscal, estão sendo conduzidos pelos ministros no Congresso. "Agora, se esse afastamento se prolongar, se não aparecer foto do presidente, a situação pode mudar", ponderou.
Família e apoio no hospital
A rotina de Lula no hospital tem sido controlada para evitar desgastes. A primeira-dama, Janja, está acompanhando o presidente de perto e assumiu a função de filtrar as visitas e administrar o assédio ao petista. Durante o período de internação, a entrada de aliados e políticos foi restringida, e muitos integrantes do governo têm buscado informações por meio dos assessores ou das entrevistas concedidas pelos médicos.
A presença da primeira-dama tem se mostrado fundamental não apenas no hospital, mas também na rotina diária do presidente. Segundo fontes próximas ao Palácio do Planalto, Janja tem se empenhado para garantir que Lula siga uma dieta rigorosa e mantenha uma rotina de exercícios, medidas que nem sempre agradam os correligionários. O próprio presidente já demonstrou incômodo com algumas dessas mudanças, uma vez que a tradição de realizar almoços e encontros políticos informais fazia parte de sua estratégia de articulação desde os primeiros mandatos.