Saúde

Estudo identifica enzima que dispara caos genético ligado à resistência do câncer

Pesquisadores da Universidade da Califórnia em San Diego apontam a N4BP2 como gatilho da cromotripsia, associada a DNA extracromossômico e a tumores mais agressivos, indicando novo alvo terapêutico

15/12/2025 às 06:54 por Redação Plox

Alguns tipos de câncer não seguem o ritmo considerado “normal” de evolução. Em vez de acumularem mutações de forma gradual, como acontece na maioria dos tumores, eles parecem dar saltos abruptos: mudam rapidamente, se adaptam e escapam dos tratamentos disponíveis. Um estudo liderado por pesquisadores da Universidade da Califórnia em San Diego ajuda a esclarecer por que isso acontece.

Os cientistas identificaram a enzima responsável por iniciar a cromotripsia, um fenômeno em que um cromossomo inteiro se quebra em dezenas — às vezes centenas — de fragmentos e é remontado de forma desorganizada dentro da célula.

O resultado é um cenário de caos genético, que favorece o crescimento do câncer e sua resistência às terapias.


células do câncer

células do câncer

Foto: Freepik

O que é cromotripsia e por que ela preocupa

Em condições normais, as alterações no DNA surgem aos poucos. Na cromotripsia, porém, tudo acontece de uma vez, como se um livro fosse rasgado em várias páginas e depois reencadernado fora de ordem.

Esse tipo de evento é considerado raro em células saudáveis, mas surpreendentemente comum em tumores. Estimativas apontam que cerca de um em cada quatro cânceres humanos apresenta sinais de cromotripsia. Em alguns tipos, como o osteossarcoma — um câncer ósseo agressivo —, ela aparece em praticamente todos os casos.

Esse processo oferece ao tumor uma vantagem evolutiva: com tantas alterações genéticas surgindo ao mesmo tempo, as células cancerígenas podem encontrar rapidamente caminhos para driblar medicamentos e continuar se multiplicando.

O enigma por trás da quebra dos cromossomos

A cromotripsia foi descrita pela primeira vez há mais de uma década, mas o gatilho inicial do processo seguia desconhecido. Sabia-se apenas que o fenômeno estava associado a falhas na divisão celular, o momento em que uma célula se divide em duas.

Em uma divisão considerada normal, os cromossomos permanecem organizados dentro do núcleo da célula, protegidos por uma espécie de “capa”. Quando ocorre um erro, porém, um cromossomo pode se separar do restante e ficar preso em uma estrutura menor e muito mais frágil, chamada micronúcleo.

Esse micronúcleo funciona como uma bolha mal protegida. Se ele se rompe, o cromossomo ali contido fica exposto e vulnerável, como um fio elétrico desencapado.

O passo seguinte era o grande mistério: o que aproveita essa exposição para começar a quebrar o DNA em múltiplos pedaços? Em outras palavras, qual enzima consegue entrar nesse micronúcleo e iniciar a destruição do cromossomo?

A enzima N4BP2 entra em cena

Para chegar à resposta, os pesquisadores analisaram todas as nucleases humanas conhecidas — enzimas capazes de cortar DNA —, observando em tempo real o que acontecia dentro de células cancerígenas.

Os resultados apontaram uma protagonista: apenas uma dessas nucleases, chamada N4BP2, conseguiu entrar nos micronúcleos e provocar danos extensos ao material genético.

Quando os cientistas removeram essa enzima de células de câncer cerebral, a fragmentação cromossômica despencou. No movimento inverso, ao forçar a presença da N4BP2 no núcleo de células saudáveis, cromossomos que estavam intactos passaram a se quebrar.

Na prática, a enzima não apenas estava associada ao fenômeno da cromotripsia: ela se mostrou suficiente para desencadear o processo.

Impactos sobre o tratamento do câncer

Ao ampliar a análise para mais de 10 mil genomas de diferentes tipos de câncer, os pesquisadores identificaram um padrão consistente. Tumores que produziam grandes quantidades da enzima N4BP2 eram justamente aqueles com mais sinais de cromotripsia, com cromossomos quebrados e rearranjados de forma caótica.

Nesses mesmos tumores, foram observados níveis elevados de DNA extracromossômico, o chamado ecDNA.

Diferentemente do DNA organizado em cromossomos, o ecDNA aparece como pequenos anéis soltos dentro da célula e costuma carregar genes que aceleram o crescimento tumoral.

Por isso, esse DNA extracromossômico está fortemente associado a tumores mais agressivos e difíceis de tratar, ajudando o câncer a escapar dos medicamentos.

Até recentemente, o ecDNA era tratado quase como um fenômeno separado. O novo estudo, porém, indica que ele pode ser uma consequência direta da cromotripsia: quando um cromossomo se fragmenta de forma desordenada, alguns pedaços passam a circular de forma independente dentro da célula, dando origem ao ecDNA.

Um possível novo alvo para desacelerar o tumor

Ao apontar a N4BP2 como o “gatilho” da cromotripsia, o estudo abre uma nova frente de investigação: seria possível bloquear essa enzima — ou as vias que ela ativa — para reduzir o caos genético do câncer?

A proposta não é, necessariamente, eliminar o tumor de imediato, mas frear sua capacidade de se adaptar, reaparecer e se tornar resistente às terapias.

Segundo os autores, compreender como a cromotripsia começa muda a forma de encarar o tratamento dos cânceres mais difíceis. Em vez de tentar apenas acompanhar as mutações que surgem depois, a ciência passa a olhar para o momento em que o desastre genético é disparado, abrindo espaço para estratégias que tentem conter essa instabilidade desde a origem.

Compartilhar a notícia

V e j a A g o r a