Contag atuou no Congresso para suavizar regras antifraude do INSS
Entidade investigada por descontos indevidos redigiu 96 emendas à MP 871/2019, apresentadas por parlamentares, visando flexibilizar medidas de combate a fraudes previdenciárias
Por Plox
17/06/2025 10h45 - Atualizado há cerca de 18 horas
Durante a tramitação da Medida Provisória 871/2019, que visava combater fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) desempenhou um papel ativo nos bastidores do Congresso Nacional. A entidade, atualmente investigada por descontos indevidos em benefícios previdenciários, elaborou 96 emendas ao texto original da MP, que foram formalmente apresentadas por parlamentares, principalmente de partidos de esquerda.

Análises dos metadados dos documentos revelam que essas emendas foram redigidas em computadores da própria Contag ou por advogados ligados à confederação. Entre os parlamentares que assinaram as propostas estão Humberto Costa (PT-PE), Jandira Feghali (PSOL-RJ), Jean Paul Prates (PT-RN), Zé Neto (PT-BA) e João Carlos Bacelar (PL-BA). Ao todo, 15 congressistas, sendo nove do PT, apresentaram proposições elaboradas pela entidade.
Uma das principais alterações promovidas pelas emendas foi a suspensão da exigência de revalidação anual das autorizações de desconto associativo nos benefícios do INSS. A proposta original da MP, editada pelo governo Bolsonaro, previa essa revalidação como forma de coibir fraudes. Após articulações no Congresso, o prazo foi ampliado para três anos, mas, na prática, nunca entrou em vigor. Posteriormente, uma nova medida provisória publicada em 2022 revogou definitivamente qualquer tipo de revalidação periódica.
As justificativas apresentadas nas emendas redigidas pela Contag alegavam que a renovação anual seria \"inviável\" para sindicatos rurais e associações, representando uma \"interferência estatal\" no funcionamento das entidades. \"Assim, revalidar cada autorização anualmente torna o desconto da mensalidade social praticamente inviável\", afirmava uma das justificativas.
Segundo investigações da Polícia Federal, a Contag é a maior beneficiária de recursos provenientes de descontos associativos via INSS, arrecadando cerca de R$ 2 bilhões entre 2019 e 2024. A entidade também é apontada como responsável por solicitar ao INSS, em 2021, o desbloqueio em lote de 34.487 benefícios para inclusão de descontos, ação considerada irregular.
Procurada, a Contag afirmou que há mais de seis décadas colabora com o processo legislativo e negou qualquer tentativa de fraudar o sistema previdenciário. A entidade repudiou o que chamou de tentativa de \"generalização\" e disse que seguirá defendendo os interesses dos trabalhadores rurais. \"Com mais de 60 anos de história e respeitada entre os parlamentares, a Contag repudia qualquer tentativa de generalização que coloque organizações sérias no mesmo patamar que estruturas criadas para fraudar o sistema previdenciário. O movimento sindical rural coordenado pela Contag é legítimo e seguirá na luta pelos interesses da categoria\", declarou a entidade.
Entre os parlamentares que se posicionaram sobre a apresentação de emendas redigidas pela Contag, o senador Humberto Costa afirmou que apresentou as emendas como líder da bancada do PT na época, seguindo orientação coletiva. O ex-senador Jean Paul Prates (PT-RN) disse que as propostas faziam parte de um bloco e surgiram em resposta a demandas de categorias de trabalhadores. Já o deputado Zé Neto (PT-BA) afirmou que as emendas buscavam proteger sindicatos rurais e que nenhuma de suas emendas tratava de descontos associativos. Jandira Feghali (PSOL-RJ) explicou que recebeu as propostas como faz com qualquer entidade representativa, mas disse que seu gabinete avalia as medidas sugeridas antes de apresentá-las. O deputado João Carlos Bacelar (PL-BA), único parlamentar da oposição citado, negou qualquer relação com a Contag. Outros 10 parlamentares que apresentaram emendas da entidade não se pronunciaram.
A atuação da Contag no Congresso e as investigações em curso levantam questões sobre a influência de entidades representativas na elaboração de legislações que afetam diretamente seus interesses, especialmente quando envolvidas em suspeitas de irregularidades.