Seca extrema revela navio do século XIX no Amazonas
O nível do Rio Madeira caiu drasticamente, atingindo 10,53 metros, segundo a Defesa Civil do Estado do Amazonas
Por Plox
17/10/2024 11h10 - Atualizado há 7 meses
Em meio à severa seca que assola o Amazonas, os destroços de um navio do século XIX foram revelados no Rio Madeira, despertando curiosidade e encantamento entre ribeirinhos. O naufrágio, que estava encalhado na passagem do Pedral do Marmelo, no município de Manicoré, é visto por muitos pela primeira vez, destacando o impacto ambiental e histórico desse fenômeno natural.

Navio surge com nível mais baixo da história no Rio Madeira
O nível do Rio Madeira caiu drasticamente, atingindo 10,53 metros, segundo a Defesa Civil do Estado do Amazonas. Este recuo inédito trouxe à tona os destroços da embarcação, avistados pela primeira vez em sua totalidade por pescadores e marinheiros da região no final de setembro de 2024. Para muitos, até então, as poucas partes visíveis eram confundidas com pedras submersas. Agora, com a seca extrema, a embarcação surge por completo, proporcionando uma descoberta histórica.

Claudiomar Araújo, chefe de máquinas que trabalha no trecho do Rio Madeira, conta que em seus 15 anos de trabalho no local, só havia visto a ponta do mastro da embarcação em secas anteriores: "Esse ano foi a primeira vez que ele apareceu mesmo", afirmou. A revelação do navio traz um misto de surpresa e emoção aos moradores, como André Luiz Pinheiro, ribeirinho da região, que ouviu histórias do naufrágio contadas por seu avô, mas nunca havia presenciado os destroços. "Agora a gente pode observar com a descida dos rios", disse ele, emocionado.
Origem misteriosa e investigação histórica
Embora os destroços tragam novas informações sobre a navegação histórica na Amazônia, ainda não foi possível identificar precisamente qual é a embarcação naufragada. O historiador Caio Giulliano Paião, doutor em história social, destaca que uma pesquisa detalhada precisa ser feita para determinar com precisão o nome e o contexto do navio, cruzando dados com obras históricas sobre a região.
Apesar disso, Paião adianta que, pelas características dos restos da embarcação, trata-se provavelmente de uma "chata", navio de construção norte-americana usado para navegação em águas rasas ou em locais com obstáculos como troncos e pedras. Ele menciona possíveis naufrágios que se encaixam nas características, como os vapores Içá (1881-1893), Canutama (construído em 1900) e a lancha Hilda.
Patrimônio cultural em questão
A superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Amazonas, Beatriz Calheiros, também comentou sobre o aparecimento dos destroços, mas ressaltou que ainda não há informações técnicas que permitam afirmar se o navio faz parte do patrimônio cultural. Ela destacou que, para uma embarcação ser oficialmente reconhecida como patrimônio, há a necessidade de procedimentos formais, algo que ainda não foi feito.
Enquanto isso, os moradores da região, intrigados pela descoberta, têm vasculhado os destroços. A ausência de reconhecimento oficial não diminui o valor que os habitantes locais atribuem à descoberta, especialmente em um ano de extrema seca que revela não apenas o navio, mas também outras estruturas históricas.
Seca revela outros tesouros históricos no Amazonas
A seca atual não revelou apenas este navio. Em setembro, as ruínas do Forte São Francisco Xavier de Tabatinga, construído no século XVIII, foram expostas devido à descida do Rio Solimões. Esse forte, que foi essencial para a defesa da região durante a disputa entre Portugal e Espanha, ficou visível pela primeira vez em décadas. Além disso, canhões portugueses, usados para proteger o forte, também foram avistados quando o nível do Rio Solimões caiu para 49 centímetros, na região de Manicoré.
Essas revelações arqueológicas não apenas aumentam o conhecimento histórico sobre a região amazônica, mas também refletem a gravidade da seca. Segundo a Defesa Civil, o Amazonas enfrenta a maior seca dos últimos 42 anos, com 62 municípios do estado em situação de emergência.
Impactos da seca histórica no Amazonas
A seca severa que atinge o Amazonas em 2024 não trouxe apenas descobertas arqueológicas, mas também sérios problemas sociais e ambientais. Mais de 800 mil pessoas foram impactadas, e cidades enfrentam níveis críticos nos principais rios que cortam o estado. Em Tabatinga, o Rio Solimões registra -1,65 metros, com uma descida média de 5 centímetros por dia no último mês. Em Parintins, o Rio Amazonas está em -2,05 metros, e a cidade de Itacoatiara enfrenta dificuldades logísticas, com o rio marcando apenas 0,3 centímetros.
Esses números mostram a gravidade da situação e os desafios enfrentados pelas comunidades locais, que dependem dos rios para transporte, abastecimento de água e outras atividades essenciais. A seca também aumenta o risco de queimadas, com o Amazonas registrando mais de 22 mil focos de incêndio este ano, a grande maioria ocorrendo entre julho e setembro.
A severidade das condições climáticas no Amazonas expõe não apenas a vulnerabilidade da região, mas também suas camadas históricas que, literalmente, emergem das águas durante eventos extremos como este.