Minas bate recorde de hanseníase após mais de uma década
Estado ultrapassou 1,5 mil casos da doença em 2023 e 2024, algo que não acontecia desde 2012; Norte de Minas concentra maior número de diagnósticos
Por Plox
18/05/2025 11h23 - Atualizado há 1 dia
Os casos de hanseníase voltaram a assustar em Minas Gerais. Nos anos de 2023 e 2024, o estado ultrapassou 1,5 mil diagnósticos da doença, número que não era registrado desde 2012. Especialistas e autoridades de saúde apontam falhas na atenção básica, desconhecimento médico e subnotificação como causas para a alta.

De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), foram contabilizados 1.568 casos em 2023 e 1.564 em 2024. Embora esse salto já chame atenção, profissionais da área acreditam que os números reais podem ser ainda maiores, devido à subnotificação. Estima-se que, para cada paciente diagnosticado, outros quatro ou cinco não sejam identificados.
Eduardo Rabelo de Abreu, hansenologista da Colônia Santa Isabel, aponta que muitos recém-formados em medicina desconhecem os sinais iniciais da hanseníase. “Os pacientes já passaram por dermatologistas e neurologistas antes de receberem o diagnóstico correto. Falta preparo nas equipes de saúde”, diz.
A situação é ainda mais preocupante no Norte de Minas. Sete das 10 cidades com maior incidência da doença estão nessa região. Januária lidera o ranking, com 741 casos por 100 mil habitantes, seguida por São João da Ponte (254), Ibiaí (174), Bonito de Minas (166), Cônego Marinho (165), Pedras de Maria da Cruz (143) e Montes Claros (112 por 100 mil habitantes).
O infectologista João dos Reis Canela, com quase 50 anos de atuação em Montes Claros, afirma que a pobreza e a falta de informação contribuem diretamente para o avanço da hanseníase. “Quanto mais vulnerável é a população, maior a exposição às doenças contagiosas”, explica.
Evandro Barbosa dos Anjos, professor da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), destaca que a transmissão se dá por meio de gotículas de saliva em ambientes fechados. Fatores como estado nutricional e condições precárias de moradia também influenciam no desenvolvimento da doença.
Casos como o da comerciante Renata, moradora de Montes Claros, reforçam os desafios. Após meses de dores e dificuldade para andar, ela foi diagnosticada com hanseníase. “Tinha partes do meu corpo que estavam dormentes. Fiz o teste de sensibilidade e errei quase tudo”, relembra.
Outro relato é de Janaína Marques, cuidadora de idosos em Sarzedo. Ela descobriu a doença durante o parto da filha. “Foi um choque, entrei em depressão. Depois, meu pai e meu irmão também foram diagnosticados”, conta. Janaína lamenta a falta de campanhas informativas e o silêncio dos serviços públicos sobre a doença.
Segundo a SES-MG, o governo tem adotado ações como capacitação de profissionais, distribuição de medicamentos, testes rápidos e campanhas de conscientização – embora, segundo especialistas, essas campanhas ocorram apenas esporadicamente, concentradas em janeiro, durante o chamado Janeiro Roxo.
As prefeituras de Montes Claros e Januária afirmam que reforçaram a vigilância epidemiológica e descentralizaram o atendimento, o que teria contribuído para identificar mais casos. “A detecção precoce é essencial para interromper a cadeia de transmissão”, destaca a coordenadora de Vigilância Epidemiológica de Montes Claros, Priscilla Pimenta.
O Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) também critica a falta de preparo da atenção primária, principalmente no interior. “Muitos municípios não notificam. O número pode ser ainda maior”, alerta Eni Carajá Filho, secretário nacional do movimento.
A hanseníase, uma das doenças mais antigas conhecidas pela humanidade, segue sendo um desafio de saúde pública em pleno século 21, exigindo atenção redobrada das autoridades e da população.