Membro da “família Leite”, mandante de chacina, é morto a tiros em MG

Adélcio Leite era um dos irmãos que, por muitos anos, aterrorizaram moradores de Malacacheta, Água Boa e Capelinha

Por Plox

18/07/2020 10h07 - Atualizado há quase 5 anos

Adélcio Nunes Leite, de 70 anos, apontado como um dos mandantes da “Chacina de Malacacheta”, cometida em fevereiro de 1990, foi morto a tiros na tarde desta sexta-feira (17), no bairro Várzea, em Lagoa Santa-MG, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. 

De acordo com informações da Polícia Militar, o idoso estava saindo de uma barbearia para encontrar-se com sua companheira, quando o autor do crime chegou em um veículo modelo HB20,  preto, e realizou os disparos de arma de fogo contra a vítima. Adélcio também estaria armado, mas não teria conseguido reagir antes de ser assassinado. 

Chacina - familia leite- capelinhaFoto gentilmente cedida ao Plox pelo PortalImpactto
 

Chacina de Malacacheta

Adélcio foi apontado como um dos mandantes da “Chacina de Malacacheta”, um episódio em que sete pessoas de uma mesma família foram vitimadas por seis atiradores contratados para cometer o crime. Uma criança de 10 anos sobreviveu ao episódio. A chacina teria sido motivada por uma disputa de terras. Pelo mesmo crime, o irmão de Adélcio, Alírio Nunes Leite, foi condenado a 126 anos de reclusão, por também ser um dos mandantes. 

Adélcio Nunes LeiteFoto: Arquivo Pessoal
 

Conforme várias investigações e relatos de moradores da região de Malacacheta-MG, “os Leite” deixaram moradores de várias cidades aterrorizados durante muitos anos. Aos “irmãos Leite” são atribuídos dezenas de assassinatos. Outro irmão de Adélcio, José Nunes Leite, foi absolvido por falta de provas, e um terceiro, “Toninho Leite”, foi morto antes que fosse julgado.

Familia LeiteIrmãos Leite. (Foto: Arquivo Pessoal)
 

Segundo as apurações, Toninho foi morto por Nelson Jardim, que teria o matado por vingança e acabou sendo condenado a 12 anos de prisão por esse crime. 

De acordo com relatos de moradores, os irmãos aterrorizavam os municípios mineiros de Malacacheta, Capelinha e Água Boa. Segundo relatos, eles compravam fazendas, tomavam posse e não efetuavam os pagamentos. “E quem se atrevia a cobrar, amanhecia morto”, contou ao PLOX um morador da região. 

Um dos crimes que mais colocou medo nos moradores, aconteceu no aeroporto de Capelinha, quando o fazendeiro Galileu Vidal de Oliveira foi morto logo ao descer do avião, chegando de Governador Valadares-MG, no dia 8 de dezembro de 1979, por volta das 10 horas da manhã. 

De acordo com as investigações, Galileu havia sido convidado pela família Leite para um almoço de “paz”, mas tudo não passava de uma emboscada. Ele morreu segurando a mão de Toninho Leite, alvejado por 29 disparos de projéteis envenenados por estricnina, um pesticida extremamente tóxico, segundo relatos. 

Adélcio Leite, morto nesta sexta-feira (17) em Lagoa Santa, estava em liberdade desde que foi solto em 2013, beneficiado por um indulto presidencial, assinado pela presidente Dilma Rousseff, mesmo tendo dois pedidos de habeas corpus negados anteriormente pela Justiça. Segundo informações, inexplicavelmente, ele foi considerado réu primário mesmo tendo em sua ficha seis condenações por 11 homicídios. 

Reconstituição em vídeo mostra detalhes da chacina

Uma reportagem de TV feita à época mostra os detalhes da Chacina de Malacacheta. O vídeo foi publicado no YouTube. 

Veja o vídeo:

A criança sobrevivente 

Segundo relatos, mesmo com o receio de sofrer represálias, alguns membros remanescentes da família vitimada na chacina continuaram cobrando na Justiça a punição dos criminosos. Várias cartas foram enviadas para diversas autoridades, inclusive para a Presidência da República, à época ocupada por Fernando Collor de Mello. Uma das cartas foi escrita pela criança que sobreviveu à chacina, Maria Luiza de Andrade, e foi endereçada ao Ministro da Justiça de Collor, Bernardo Cabral. 

Veja a carta da sobrevivente ao ministro na íntegra:

Ao Ministro da Justiça

“Belo Horizonte, 10 de maio de 1990”.

Ministro Bernardo Cabral

Fiquei sabendo que o senhor é quem ajuda o Presidente Fernando Collor a fazer justiça.

Também fiquei sabendo que o Presidente pediu para o senhor me ajudar e que o senhor já está fazendo tudo para prender aquelas pessoas que mataram minha família em Malacacheta/MG.

Outro dia, à noite eu vi o Senhor na televisão e ouvi o senhor dizer que perdeu um irmão da mesma forma que perdi os meus irmãos e pais. Então eu acho que o senhor vai me ajudar muito porque sabe o que estou sentindo e também porque é um grande homem e de confiança do Presidente mais bondoso e bonito que o Brasil já teve.

Quero falar para o senhor que aqui em Belo Horizonte onde estou morando, tenho recebido muita ajuda dos Delegados Otto Teixeira Filho e Raul Moreira e do Promotor Epaminondas Fulgêncio Neto. Sei que eles estão fazendo tudo para prender aquelas pessoas. Mas tenho medo que eles prendam e depois os deputados e juizes os soltem, pois, eles sempre falam lá em Malacacheta que nunca ficaram presos porque eles têm muito dinheiro e gado para dar de presente a estas pessoas para não serem presos.

Mas o Presidente Collor, o Senhor, o Dr. Otto, o Dr. Raul e o Dr. Epaminondas não vão deixar que isto aconteça. Por favor, me ajude e a minha família. Nossas terras lá em Malacacheta estão abandonadas porque temos medo de voltar. Estamos sendo amparados por parentes e amigos. Nem minhas roupas e bonecas eu pude trazer.

Me ajude, Dr. Bernardo Cabral. Deus e meus familiares irão pagar por mim.

Maria Luiza de Andrade.
 
Confira a carta da família ao presidente na íntegra:

“Presidente Fernando Collor de Mello”.

Palácio do Planalto – Brasília

Nós, familiares das vítimas da chacina ocorrida no município de Malacacheta, em 15.02.90, confiantes no governo proposto por Vossa Excelência, solicitamos clemência e justiça para com nossos mortos, que também irá, por conseqüência, beneficiar a nove outras famílias que também sentiram a dor que estamos sentindo, dor essa provocada pelo mesmo grupo.

Senhor Presidente, nunca existiu punição para estas pessoas. Eles se dizem impunes e acobertados pela Justiça.

Dessa forma entram e tomam nossa terra e matam nossa família.

Inquéritos e processos são interrompidos sem explicação alguma.

Por que Presidente? Acabe com essa corrupção. Nossos mortos não veremos. Mas veremos a Justiça brilhar pela dignidade e seriedade do governo de Vossa Excelência. 

Ajudai-nos Presidente.

Família Cordeiro Sexto – Cordeiro Andrade
 
Fim de uma história macabra

A notícia da morte de um dos irmãos Leite, na Grande Belo Horizonte, é um dos assuntos mais comentados nas regiões do Vale do Mucuri e do Jequitinhonha, e coloca ponto final em uma história macabra e manchada de sangue. 

O PLOX conversou com alguns moradores da região, que confirmaram os relatos acima. “É um dia histórico, tudo um dia tem o seu fim”, comentou um morador. 
 

Destaques