MP pede condenação do Diário do Aço, prefeito e ex-secretários por suspeita de fraudes em licitações

Segundo o Ministério Público, o jornal frauda licitações para receber verbas da prefeitura de Ipatinga há, no mínimo, sete anos

Por Plox

19/10/2023 15h10 - Atualizado há cerca de 1 ano

O Jornal Diário do Aço e o seu proprietário, Valter Antônio de Oliveira, o prefeito de Ipatinga-MG, Gustavo Nunes, e seis secretários municipais de administrações anteriores são alvos de uma ação do Ministério Público. Com o apoio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), a 10ª Promotoria de Ipatinga pede a condenação dos envolvidos num suposto esquema para o repasse de verba dos cofres da Prefeitura para o Jornal Diário de Aço e seu proprietário Valter Antônio de Oliveira.

 

Segundo o Ministério Público, que investigou os pagamentos da prefeitura ao Diário do Aço a partir de 2016, Valter Oliveira e seu jornal teriam recebido, beneficiados por fraudes e outras irregularidades, cerca de R$3 milhões. Esse jornal atua na cidade há 45 anos. O Ministério Público não investigou a relação do jornal com a prefeitura nos anos anteriores a 2016.

Foto: Divulgação Aciapi. O proprietário do Jornal Diário do Aço já foi presidente 

A ação por ato de improbidade administrativa pede que os arrolados nesse processo sejam condenados e obrigados a fazer o ressarcimento de cerca de R$14 milhões.  A maior parte desse valor, mais de R$10 milhões, está sendo cobrada pela 10ª Promotoria de Justiça de Valter Antônio de Oliveira e de sua empresa Editora Metropolitana LTDA, que publica o Jornal Diário do Aço e de duas mulheres. Essas são citadas no processo como “laranjas de Valter Oliveira”, assinando pela empresa Editora Turismo & Negócios, que também, de acordo com as investigações, pertence ao empresário e é usada para fraudar licitações junto à Prefeitura de Ipatinga. As mulheres são identificadas na ação como Michele Graziela Lima e Amanda Ferreira Antunes. As duas já trabalharam no Jornal Diário do Aço.

Segundo o Ministério Público, a empresa Editora Turismo & Negócios foi criada “como empresa de fachada”, nas palavras da Promotoria, para que Valter de Oliveira, que é conhecido como “Valtinho”, continuasse recebendo dinheiro da prefeitura. As investigações, segundo o MP, concluíram que após a empresa que está no nome dele, a Editora Metropolitana, que publica o Jornal Diário do Aço, contrair dívidas no valor de R$2.107.568,02, o suspeito ficou impedido de participar de licitações. A Promotoria afirma que Valter passou a criar vários CNPJs, uma das estratégias para continuar recebendo a verba, de várias administrações que passaram pela Prefeitura.


Valter de Oliveira aparece nesta foto, flagrada pelos investigadores, que seguiram os passos dele e registraram imagens em vídeos e fotos, já em poder da Justiça.

Imagem: Divulgação/ MP

 

O grupo de combate ao crime organizado concluiu que o automóvel Toyota CCROSS é usado por Valter de Oliveira para suas atividades diárias, como ir e vir ao Jornal Diário do Aço. Mas este veículo está em nome da empresa Editora Turismo & Negócios.

 

Quando foi ouvido pelo Ministério Público, o dono do Jornal Diário do Aço afirmou não ter ligações com a Editora Turismo & Negócios, mas a promotoria entendeu como contraditória a situação de o empresário fazer uso cotidiano do carro, sendo que ele afirma não ter vínculo com a empresa. Outro ponto que a promotoria viu como indício de que a Editora Turismo & Negócios LTDA é uma empresa de fachada usada por Valter é quanto a sua localização. Os  investigadores da Polícia Civil de Minas Gerais auxiliaram nas apurações. Foi constatado que o imóvel  informado como “sede” da empresa “possui características residenciais não existindo sequer placa de identificação da citada empresa e nem acesso para o público”. Além disso, a Promotoria também cita que Valter de Oliveira possui como endereço registrado no Departamento Nacional de Trânsito (Detran) o mesmo endereço da Editora Turismo & Negócios LTDA. 

 

Para o MP, essas estratégias reafirmam a certeza da existência de um “conluio” para desviar o dinheiro da Prefeitura, o que seria um grave delito. Os danos causados aos moradores da cidade de Ipatinga podem ser ainda mais graves, já que os contratos considerados fraudados foram assinados por secretários da área de Saúde do município ou de Governo.


Segundo os dados agora em poder da Justiça, o Jornal Diário do Aço e agentes da prefeitura de Ipatinga de administrações anteriores criavam situações para que o Diário do Aço sempre fosse o único a receber as verbas destinada à publicidade institucional da Prefeitura, retirando o direito de que outros canais de comunicação pudessem prestar esse serviços.


Dessa forma, por exemplo, em 2016, assinaram um contrato no valor de R$392.949,06. Em sequência, o contrato de 2017 renderia ao Jornal Diário do Aço a quantia de R$393.493,20. Portanto, a soma destes dois contratos seria de R$786.442,269 . Mas as apurações do Ministério Público concluíram que, além de esses contratos já serem irregulares, o Jornal Diário do Aço recebeu R$922.813,03. Ou seja, o Ministério Público afirma que o jornal recebeu R$174.846,75 a mais do que já estava privilegiado nesses contratos, sem nenhuma justificativa para o acréscimo. O que, ainda segundo o MP, proporcionou o enriquecimento ilícito ao proprietário do Diário do Aço.


Em 2019 ainda houve a assinatura de mais um contrato, no qual o jornal foi novamente o “vencedor” no valor de R$400.200,00. Somando os negócios do jornal com a Prefeitura, somente nesse período, a quantia que saiu dos recursos públicos superou R$1.323.013,03.

 

Ainda segundo o MP, o esquema montado para fraudar as licitações e beneficiar o Jornal Diário do Aço usava várias “estratégias”. Uma delas era fazer a disputa no pregão pessoalmente e não pela internet, pois se fosse “on-line” outros veículos de comunicação poderiam participar e esse jornal ficaria sem a recorrente quantia, constantemente recebida.


Outra manobra era não divulgar que havia uma verba disponível para contratação de canais de comunicação para as publicações do município. Segundo o Ministério Público, também não eram feitos orçamentos com outros canais de comunicação. Outra forma para direcionar a verba para esse jornal era colocar exigências que coincidissem com características que apenas o Jornal Diário do Aço tinha, excluindo assim a chance de outros veículos de comunicação.


Segundo o Ministério Público, as investigações abrangem somente o período em que a prefeitura era administrada pelos ex-prefeitos Cecília Ferramenta e Sebastião Quintão e Nardyello Rocha e o atual, Gustavo Nunes.  As citadas manobras foram também feitas nas contratações de 2016 e 2017, o que levou ao pedido de condenação de secretários de saúde e de governo dos ex-prefeitos acima citados.

O último contrato entre a prefeitura de Ipatinga e o jornal Diário do Aço, esse por meio da empresa chamada de laranja pelo Ministério Público, foi assinado em 2020. Na época, o prefeito era Nardyello Rocha. Por isso, o ex-secretário de Governo Carlos Alberto Lima e a ex-secretária de Saúde Érica Dias de Souza Lopes também são citados na ação.


Pedido de Liminar avaliado pelo juiz

O Ministério Público pediu também a que a Justiça concedesse uma liminar, ou seja, uma decisão em caráter de urgência, ao que o juiz Luiz Flávio Ferreira respondeu “não se verifica qualquer excepcionalidade para a imediata concessão da tutela de urgência, devendo, pois, se aguardar a manifestação prévia dos demandados, para posterior análise da pretensão liminar”, afirmou.

O juiz também mencionou a “existência de indícios de que, como anotado pelo Ministério Público” e em outro trecho “com o intuito de intermediar a real execução pela “Editora Vale Metropolitano” e propiciar uma fraude aos procedimentos licitatórios”. Ele decidiu, por ora, não conceder a medida de urgência solicitada. O processo segue então em seus prazos normais.


Também alvo da ação por improbidade administrativa, o prefeito de Ipatinga Gustavo Nunes prorrogou o contrato assinado em 2020 por três vezes, desde que assumiu a prefeitura, sem fazer nova licitação. Em maio de 2021, o valor acordado com o jornal foi de R$ 378.740,00. Foi assinado por Amanda Ferreira Antunes, como representante da “Editora Turismo e Negócios”, Cléber de Faria Silva, então Secretário Municipal de Saúde, e Roberto Silva Soares, então secretário de Governo.

Em maio de 2022, foi gerado um novo contrato pelo importe de R$417.020,00. O aditamento 02/2022 foi subscrito por Michele Graziele Lima, pela “Editora Turismo e Negócios”, por Cléber de Faria Silva, e por Matheus Lima Braga, então secretário Municipal de Governo.


O terceiro e último aditamento, página 2.895, das 3500 páginas que compõem o processo, gerou ao Diário do Aço a oportunidade de receber R$442.250,00. Subscrevem o contrato Michele Graziele Lima, Cléber de Faria Silva e Everton Rodrigues Campos, secretário Municipal de Governo.


Baseando-se nas supostas irregularidades, o Ministério Público recomendou ao prefeito a rescisão imediata do contrato e dos três aditivos. Em resposta, o atual prefeito informou que não cancelaria o contrato. O prefeito argumentou que o jornal Diário do Aço “é o único meio de comunicação pelas vias físicas e digitais, em caráter diário, que tem alcance no município de Ipatinga e nas demais cidades da região”. O atual prefeito também disse que sem esse jornal as publicações de atos oficiais e demais comunicados não alcançarão a sociedade local.

 

O MP não concorda com a afirmação do prefeito e chegou a afirmar que a resposta é apenas uma desculpa para manter os desvios, “é mero subterfúgio para manutenção dos contratos espúrios”, afirma o documento em poder da Justiça.


Publicidade pode ser feita em outros canais, inclusive em sites de notícia, afirma MP
O MP voltou a lembrar que existem várias outras formas de se fazer a comunicação que plenamente atendem a cidade de Ipatinga e região. “A publicidade, então, conforma-se como princípio instrumental de democracia participativa, cujo objetivo nada mais é que o de informar todos os cidadãos, de maneira mais ampla”, escreveu.


E o Ministério Público enfatiza que, “atualmente, na era digital em que vivemos, a publicação em pequenos editais em jornais de circulação física pouco contribuem para a publicização pretendida pelo texto constitucional”.


Em seguida complementa “podendo ainda a Administração, conforme o vulto da licitação, utilizar-se de outros meios de divulgação para ampliar a área de competição”.

 

Na sequência, o MP afirma que “nada impede que a circulação seja online, por exemplo. Máxime porque, atualmente, o mercado editorial físico muito se reduziu, em razão da migração para o digital, de modo que muitos jornais sequer continuam a manter tiragens físicas”, assevera.

O Ministério Público continua com vários argumentos para reafirmar que os envolvidos sejam condenados por facilitarem a saída de dinheiro dos cofres da Prefeitura para o jornal Diário do Aço e seu dono. Sobre a exigência de circulação diária, o MP declara que “não é possível interpretar tal disposição no sentido que a circulação diária não possa ser realizada em publicação do próprio município ou, ainda que, outros jornais e periódicos diários, notadamente “onlines”, situados no Estado de Minas Gerais, não possam prestar o serviço em voga”, explica.


O MP diz que o município pode contratar “após licitação, com qualquer dos diversos canais de comunicação de abrangência qualificada como grande circulação, cuja escolha de como proceder está circunscrita ao prudente arbítrio da discricionariedade do administrador público”, afirma.

 

Segundo a Promotoria, a intenção do prefeito foi “em verdade, dar guarida a uma contratação ilícita, violadora do ordenamento jurídico”, denuncia o MP.

 

O Ministério Público pede à Justiça a suspensão do último contrato ativo entre a prefeitura e o jornal Diário do Aço, bem como seu aditivo, e também o pagamento de danos morais coletivos aos envolvidos. A soma chega a quase 14 milhões de reais. Valter de oliveira, do jornal diário do aço, as duas mulheres que assinaram pela empresa de fachada, se condenados, poderão ter que pagar cerca 10 milhões e meio de reais. a promotoria também pede indenização ao prefeito de Ipatinga: quase R$ 500 mil. E aos seis ex-secretários, cerca de R$ 200 mil para cada.


O Ministério Público informou que não tem interesse em fazer acordo e pede a  condenação de todos os envolvidos na ação.

 

A reportagem do PLOX entrou em contato com o jornal Diário do Aço e não obteve resposta. 


Segue nota da Prefeitura de Ipatinga na íntegra:

A Prefeitura esclarece que ainda não foi citada na Ação, que está circulando na mídia. A administração municipal reitera o compromisso com a transparência e tão logo seja oficialmente citada pelo Judiciário e o caso seja analisado pelos Procuradores Municipais, se pronunciará.

 

Nota da ex-prefeita e atual vereadora de Ipatinga Cecília Ferramenta na íntegra:

Em resposta à solicitação feita por esse prestigioso veículo de imprensa, a vereadora Cecília Ferramenta, ex-prefeita de Ipatinga (2013-2016), reitera sua total confiança no seu ex-secretário de Saúde, bem como no ex-secretário adjunto da pasta, que sempre

se pautaram pela lisura e eficiência no exercício dos cargos. 

Esclarece, ainda, que todos os processos licitatórios realizados em sua gestão como prefeita, em todas as secretarias municipais, foram feitos rigorosamente dentro da legalidade e dos princípios que devem nortear a administração pública, quais sejam: 

legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, especialmente no que diz respeito à publicidade dos atos oficiais.


Nota da ex-secretária de Saúde de Ipatinga, Kátia Barbalho Diniz Costa, na íntegra:

Informamos que estivemos à frente da secretaria municipal de saúde de Ipatinga por 04 meses, no período de janeiro de 2017 a maio de 2017, e desconhecemos qualquer tipo de irregularidade na contratação citada bem como fazer parte de qualquer esquema que possa lesionar a administração pública. Trata-se de ato administrativo do secretário municipal de saúde, sendo que o mesmo não realiza o processo de compras, ficando a cargo da equipe de compras a realização de todo processo licitatório nos moldes da Lei de licitação.

No entanto, estamos tomando as medidas cabíveis para a transparência dos fatos considerando que somente tomamos conhecimento do mesmo após tornar pública a ação civil pública, em momento algum foi me assegurado o contraditório e ampla defesa com os meios e recursos a mim inerentes.


Nota do ex-secretário de Governo de Ipatinga, Carlos Alberto Lima, na íntegra:

A Secretaria de Governo não procede licitação e nem faz pagamentos, o que a secretaria faz é a publicação dos Atos Oficiais da Prefeitura. Portanto, a conferência de contratos e pagamentos são outras secretarias que o faz, já requeri da Prefeitura cópia de todos os atos assinados por mim, tão logo fui surpreendido por redes sociais deste inquérito do MPMG.

Já solicitei ao MPMG e ao Juiz da Fazenda Pública, oficialmente para ser ouvido.

Ocupei por 3 vezes cargos públicos e fui Vereador na cidade de Ipatinga e nunca tive nenhum problema com MP, Justiça, Polícia ou Tribunal de Contas. Minha vida é pautada com retidão no bom nome.


Também tentamos o contato com as outras pessoas citadas na Ação do Ministério Público e em nossa reportagem. Tão logo os posicionamentos cheguem a nossa redação, atualizaremos a matéria escrita no site.

 

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