Hepatite C avança em Minas apesar da queda nas mortes

Estado reduz óbitos por hepatites B e C, mas vê alta expressiva nos casos de hepatite C e surto de hepatite A

Por Plox

22/07/2025 08h58 - Atualizado há 3 dias

Nos últimos dez anos, Minas Gerais conseguiu reduzir significativamente o número de mortes causadas por hepatites virais, resultado atribuído principalmente ao avanço dos tratamentos oferecidos pelo SUS. Porém, essa conquista esbarra no crescimento preocupante das infecções por hepatite C, que apresentou alta superior a 15% em apenas um ano, conforme apontado pelo Boletim Epidemiológico de Hepatites Virais do Ministério da Saúde.


Imagem Foto: Pixabay


A hepatite C, responsável por inflamações hepáticas silenciosas, aumentou de 1.094 casos registrados em 2023 para 1.241 em 2024. Isso representa um crescimento de 13,4% no período recente e de 59,7% ao se comparar com os dados de 2014. Ao contrário da hepatite B, que tem vacina disponível na rede pública desde os anos 1990, a hepatite C ainda não possui imunização, tornando essencial o diagnóstico precoce e o tratamento imediato.



Ainda que as infecções tenham crescido, as mortes por hepatite C diminuíram drasticamente: de 116 óbitos em 2014 para 34 em 2024, uma redução de 70,6%. No caso da hepatite B, a queda foi de 28,9%, saindo de 38 para 27 mortes no mesmo intervalo. Esses números positivos são atribuídos ao uso dos antivirais de ação direta (DAAs), que oferecem cura em mais de 95% dos casos e são distribuídos gratuitamente pelo SUS.
“Esses medicamentos revolucionaram o tratamento da hepatite C. Conseguem eliminar o vírus do organismo e impedir que o paciente desenvolva cirrose ou câncer hepático”, afirmou o cirurgião Fernando Furlan.


O maior desafio apontado pelos especialistas está na cronificação da hepatite C. Estima-se que entre 70% e 80% dos infectados permaneçam com o vírus no organismo por longos períodos, o que pode levar a doenças graves no fígado. Segundo o infectologista Guenael Freire, “a progressão é lenta, podendo levar décadas até complicações significativas surgirem”. Muitas vezes, o diagnóstico só ocorre quando o fígado já está comprometido.


A ausência de sintomas típicos — como o amarelamento dos olhos e da pele — dificulta o reconhecimento precoce da doença, principalmente nas hepatites B e C.
“Alguns pacientes têm icterícia, mas muitos não. A hepatite A tem mais chances de apresentar esses sinais, facilitando o diagnóstico. Já na C, a maioria nem percebe que está infectada”, explica Freire.


A infectologista Janaína Teixeira destaca a importância da testagem preventiva: “É necessário incluir o teste de hepatites nos check-ups médicos. Há uma subnotificação grande, porque muitas pessoas só descobrem quando a situação já está grave.” O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, reforçou a importância de ampliar os testes e aderir ao tratamento precoce para alcançar a meta de reduzir em 65% as mortes por hepatites virais e 90% da incidência até 2030.


A prevenção da hepatite C ainda depende da conscientização sobre os meios de contágio, como procedimentos estéticos ou médicos sem esterilização adequada, uso compartilhado de seringas e práticas sexuais com contato sanguíneo. “Não é o sêmen ou o líquido vaginal que transmite, como na hepatite B, mas o sangue em pequenos traumas durante a relação sexual”, aponta Janaína.



Segundo o boletim, a via sexual lidera as formas de contaminação, seguida por procedimentos cirúrgicos e dentários, uso de drogas e transfusões. A hepatite B, por outro lado, preocupa especialmente em crianças devido à possibilidade de cronificação quando o contágio acontece durante o parto. Nos adultos, o risco é menor. “Na criança, o risco de cronificação pode ultrapassar 90%”, detalha Freire.


Em Minas, os casos de hepatite B passaram de 876 em 2014 para 622 em 2024, uma queda de 28,9%. Entre 2023 e 2024, a redução foi de quase 10%. O controle da doença é atribuído à vacinação infantil com três doses nos primeiros meses de vida.



Já a hepatite A, historicamente associada à infância e ao consumo de água contaminada, teve o maior número de registros em uma década. Entre janeiro e 2 de julho de 2025, foram 373 notificações no estado, contra 221 em todo o ano de 2024 — um aumento de quase 70%. Em Belo Horizonte, a maioria dos casos se concentra em adultos jovens de 20 a 39 anos, especialmente homens.


A mudança no perfil epidemiológico pode estar ligada a comportamentos sexuais que envolvem contato anal. “Sabemos que tem ocorrido surtos entre jovens por práticas sexuais de contato anal ou oral-anal. Como a hepatite A é transmitida pela via fecal-oral, esse tipo de contato aumenta o risco”, explica Janaína.


A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) foi procurada para fornecer dados atualizados sobre o cenário da doença em 2025, mas não respondeu até o fechamento da reportagem.


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