Pesquisas da Unicamp sobre zika moldaram combate à Covid-19
Rede com 35 grupos científicos ajudou a entender ação do zika no cérebro e acelerou resposta à pandemia anos depois
Por Plox
24/04/2025 13h30 - Atualizado há cerca de 18 horas
Quase dez anos depois de encarar uma epidemia de zika vírus que alarmou o país, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) colhe frutos científicos daquele período. Pesquisas iniciadas durante o surto formaram a base para que o Brasil pudesse responder com agilidade à chegada da pandemia de Covid-19.

Na época em que o zika se espalhava pelo território nacional e aumentava o número de crianças nascidas com microcefalia, a Unicamp estruturou uma rede de pesquisa considerada pioneira. Foram 35 grupos de cientistas que atuaram em diferentes frentes, desde testes moleculares e sequenciamento genético até a formulação de vacinas e o estudo dos impactos neurológicos do vírus.
\"Hoje, sequenciar o genoma de um vírus leva horas. Naquela época, isso podia levar meses. O avanço foi gigantesco e nos permitiu enfrentar a Covid com muito mais preparo\", explicou o professor Marcelo Lancellotti, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas.
O também pesquisador José Luiz Modena ressaltou a importância dos estudos com gestantes infectadas por zika. A partir da observação dos efeitos do vírus em células neurais e na placenta durante o desenvolvimento fetal, modelos de infecção foram estabelecidos, permitindo compreender melhor os danos causados.
Em um dos experimentos mais surpreendentes, células cancerígenas de glioblastoma — um tipo agressivo de tumor cerebral — foram infectadas com o zika. O vírus eliminou essas células, preservando as saudáveis, algo inédito e promissor para a ciência.
Esse conhecimento acumulado foi essencial quando a Covid-19 chegou. Segundo Lancellotti, sem o treinamento obtido durante os estudos sobre zika, a resposta à pandemia teria sido muito mais lenta e difícil.
Atualmente, embora o zika vírus circule com baixa incidência, pesquisadores alertam para a necessidade de atenção, especialmente por conta do avanço da dengue, também transmitida pelo mosquito Aedes aegypti.
\"O zika ainda está entre nós, mas agora há outra ameaça em foco. E o ciclo segue\", afirmou Lancellotti.
A história de Lorenzo, filho de Patrícia Campassi, reforça os impactos permanentes da doença. Diagnosticado após nove semanas de investigação, ele nasceu com severas limitações neurológicas que comprometem sua fala, alimentação e mobilidade.
\"Para mim, essa é a nossa realidade. Ele vai completar dez anos e eu sigo firme. Mas os cuidados continuam sendo importantes, especialmente para outras mães e bebês que podem ser afetados\", declarou Patrícia.
Ela lembra com indignação como um mosquito foi capaz de mudar tantas vidas em tão pouco tempo: \"As crianças teriam vindo saudáveis, mas um inseto mudou tudo. E hoje, quase não se fala mais nisso\".