Criadores pintam olhos no traseiro dos bois para afastar predadores

Uma pesquisa publicada na revista Nature trouxe uma abordagem surpreendente para lidar com a ameaça dos grandes predadores selvagens ao gado no Botswana: pintar olhos no traseiro dos animais. A técnica, simples e de baixo custo, visa proteger o gado de ataques de leões, leopardos e hienas, predadores conhecidos por caçarem de forma furtiva. Esses animais dependem da surpresa para capturar suas presas e, ao perceberem que foram "vistos", tendem a desistir do ataque.

Conflito entre pecuaristas e carnívoros
No delta de Okavango, os criadores enfrentam sérios problemas com os ataques de carnívoros aos seus rebanhos. A prática comum em casos de perda de animais é a retaliação, que frequentemente resulta na morte dos grandes predadores, agravando a situação de conservação dessas espécies. Leões são os maiores responsáveis pelas mortes de gado na região, seguidos por hienas e leopardos. Diante dessa realidade, qualquer solução que minimize o conflito é extremamente relevante.

Experimento no campo: como os pesquisadores testaram a ideia
O estudo foi realizado ao longo de quatro anos em parceria com a organização Conservação de Predadores de Botswana e pecuaristas locais. Cerca de dois mil bovinos participaram do experimento. A técnica de pintar olhos foi aplicada em um terço dos animais, enquanto outro terço recebeu a marcação de um "X" e o restante não teve nenhuma pintura. Os pesquisadores acompanharam os rebanhos que pastavam nas mesmas áreas, expostos aos mesmos riscos.

Os resultados foram surpreendentes: nenhum dos 683 bois com "olhos pintados" foi atacado, enquanto 19 animais dos outros grupos morreram. Mesmo os bois com a marcação de "X" foram menos atacados (apenas quatro mortes), em comparação com os 14 animais sem qualquer marcação. Isso sugere que qualquer forma de sinal visual pode ter um efeito dissuasivo, embora os olhos falsos sejam claramente mais eficazes.

Solução de baixo custo para a convivência com predadores
O uso de olhos pintados oferece uma solução prática para o problema do conflito entre criadores e predadores, especialmente em áreas onde a coexistência entre a vida selvagem e a pecuária é inevitável. No Botswana, os pequenos rebanhos, que podem ter entre seis e cem animais, são tradicionalmente mantidos em áreas fechadas à noite para evitar ataques. Durante o dia, porém, os animais precisam pastar e ficam vulneráveis a predadores.

Essa técnica surge como uma alternativa valiosa, já que evita tanto a necessidade de cercar grandes áreas de pastagem quanto a matança de carnívoros, prática que ameaça ainda mais as espécies selvagens. A convivência pacífica entre pecuaristas e a fauna local é um desafio crescente, especialmente em regiões que fazem fronteira com áreas protegidas.

Efetividade a longo prazo ainda é incerta
Apesar do sucesso inicial, os cientistas alertam que os predadores podem eventualmente se acostumar com as pinturas, o que reduziria sua eficácia. Esse é um desafio comum para diversas abordagens não-letais, como cercas elétricas ou alarmes sonoros, que podem perder efeito com o tempo conforme os animais aprendem a ignorá-las.

Ainda assim, a pesquisa é promissora, indicando que técnicas criativas e baratas podem ser eficazes em reduzir o conflito entre humanos e grandes carnívoros, contribuindo tanto para a proteção dos rebanhos quanto para a preservação de espécies ameaçadas.