Saúde

Microdoses de cannabis estabilizam cognição em idosos com Alzheimer leve, aponta estudo brasileiro

Ensaio clínico randomizado com extrato de cannabis contendo THC e CBD, em doses subpsicoativas, mostrou estabilização em subescala de cognição após 24 semanas, enquanto grupo placebo piorou; pesquisadores pedem estudos maiores para confirmar efeito preventivo

25/11/2025 às 08:47 por Redação Plox

À medida que a população mundial envelhece, aumenta também o número de pessoas vivendo com demências, como a Doença de Alzheimer. Diante da ausência de tratamentos curativos e da eficácia limitada dos medicamentos disponíveis, cresce o interesse por novas estratégias terapêuticas — entre elas, o uso de canabinoides derivados da planta Cannabis.

Pesquisa brasileira analisa o impacto de microdoses de extrato de cannabis em pacientes com Alzheimer em estágio leve

Pesquisa brasileira analisa o impacto de microdoses de extrato de cannabis em pacientes com Alzheimer em estágio leve

Foto: Pixabay


Um novo estudo brasileiro, recém-publicado no periódico internacional Journal of Alzheimer’s Disease, investigou os efeitos de microdoses de extrato de cannabis em pacientes com Alzheimer leve. Os resultados são discretos, mas apontam para uma direção promissora: o futuro da cannabis medicinal pode estar em doses tão baixas que se tornam praticamente “invisíveis”, distantes dos efeitos psicoativos que ainda geram receio entre pacientes e médicos.

Microdoses e envelhecimento cerebral

O estudo, liderado pelo professor Francisney Nascimento e colaboradores na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), recrutou idosos com diagnóstico de Alzheimer leve e avaliou o uso diário de um extrato de cannabis contendo THC e CBD em concentrações extremamente baixas.

São doses subpsicoativas, que não provocam o “barato” associado ao uso recreativo da planta e não representam risco à saúde. Na prática, tratam-se de quantidades tão pequenas que muitos poderiam questionar se chegam a produzir qualquer efeito — o que se convencionou chamar de microdose, termo frequentemente usado também no contexto dos psicodélicos.

Essa escolha não foi aleatória. Em 2017, o grupo de Andreas Zimmer e Andras Bilkei-Gorzo mostrou que doses muito baixas de THC restauravam a cognição em camundongos idosos, revertendo padrões de expressão gênica e densidade sináptica no hipocampo para níveis semelhantes aos de animais jovens.

Na esteira desses achados, outros trabalhos reforçaram que o sistema endocanabinoide — fundamental para a homeostase e a plasticidade neural — sofre um declínio natural ao longo do envelhecimento.

Inspirados por essas evidências e por um relato de caso publicado em 2022 pelo mesmo grupo brasileiro, que descreveu melhora clínica após 22 meses de microdoses em um paciente com Alzheimer, os autores avançaram para um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo em voluntários humanos.

Desfechos do estudo em pacientes com Alzheimer leve

A principal medida de desfecho foi a ADAS-Cog, escala amplamente utilizada para avaliar a função cognitiva em pessoas com demência. Após 24 semanas de tratamento, o grupo que recebeu o extrato com THC apresentou estabilização dos escores, enquanto o grupo placebo registrou piora.

A diferença apareceu em apenas uma das subescalas avaliadas e foi observada somente no acompanhamento de longo prazo, mas ainda assim alcançou significância estatística. O impacto, portanto, foi modesto, porém clínicamente relevante.

Em pacientes com função cognitiva ainda preservada ou apenas moderadamente comprometida, talvez seja irrealista esperar grandes mudanças em poucas semanas. A contribuição central do estudo pode estar em outro ponto: os dados sugerem que microdoses de cannabis possam exercer um papel preventivo, atuando quase como uma “suplementação” capaz de proteger o cérebro do declínio associado à idade.

Essa hipótese dialoga com outro trabalho brasileiro, publicado em 2022 na revista Translational Psychiatry, que demonstrou a redução da lipoxina A4 (LXA4) no cérebro envelhecido — um mediador pró-resolução da inflamação que atua, entre outros mecanismos, pela estimulação do sistema endocanabinoide.

Cannabis sem efeito psicoativo

Um dos maiores obstáculos à aceitação da cannabis como ferramenta terapêutica no contexto do envelhecimento cerebral é menos científico e mais cultural. O medo de “ficar chapado” afasta muitos pacientes e também profissionais de saúde.

Estudos como este indicam caminhos para contornar a resistência, ao mostrar que é possível lançar mão de doses tão baixas que não provocam alterações perceptíveis de consciência, mas que ainda assim podem modular sistemas biológicos relevantes, como inflamação e neuroplasticidade.

Microdoses de cannabis tendem a ficar fora da zona de psicoatividade e, mesmo assim, podem oferecer benefícios. Isso abre espaço para novas formulações com foco em prevenção, sobretudo em grupos mais vulneráveis, como idosos com comprometimento cognitivo leve ou histórico familiar de demência.

Limitações e próximos passos da pesquisa

Apesar do potencial, o estudo apresenta limitações importantes: o número de participantes foi reduzido e os efeitos se concentraram em apenas uma dimensão da escala de cognição. Ainda assim, o trabalho representa um avanço inédito, ao ser descrito como o primeiro ensaio clínico a testar com sucesso a abordagem de microdoses em pacientes com Alzheimer.

Trata-se de uma nova forma de encarar o uso da planta no manejo de doenças neurológicas relevantes.


Informações relatadas pelo portal G1 com o Doutor em Farmacologia Fabricio Pamplona, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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