Inseticida aplicado por ‘fumacê’, em Ipatinga, não é indicado pela OMS e Anvisa, diz nota da SES-MG

Em nota enviada à nossa reportagem, a SES-MG, por meio da SRS de Coronel Fabriciano informou que na falta dos remédios permitidos pela OMS e Anvisa, o município não deve aplicar o uso de “fumacê”

Por Matheus Valadares

28/07/2023 17h30 - Atualizado há quase 2 anos

Em Ipatinga, em 2023, foi utilizado um inseticida não aprovado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e sem “efetividade” no combate ao mosquito Aedes Aegypti, por meio do conhecido como “fumacê”. É o que diz documentos solicitados pela reportagem do Plox, via Lei de Acesso à Informação (LAI).

 

Conforme a Secretaria Estadual de Minas Gerais (SES-MG), os inseticidas para utilizar na aplicação espacial em Ultra Baixo Volume (UBV), o popular fumacê, “disponíveis para solicitação, por meio do Sistema de Insumos Estratégicos em Saúde (SIES), são: Flupiradifurone + Transflutrina (Fludora Co-Max) e Imidacloprida + Praletrina (Cielo UVL)”. Em caso de falta nos estoques suficientes, os municípios devem recorrer aos produtos registrados na OMS e Anvisa, os quais são o “Icon ubv, Malathion ew 44, e Cielo UVL”.

Segundo a Saúde do Estado, “esses produtos são aprovados após estudos de efetividade relacionados às mutações do mosquito Aedes aegypti e à resistência criada pelo inseto a alguns inseticidas periodicamente”. 

Fabiano dos Anjos, enfermeiro sanitarista e especialista em controle de arboviroses, afirma que “essas recomendações são baseadas em estudos técnicos e ensaios experimentais que estabelecem tipos adequados de inseticida visando prevenir a resistência nos mosquitos aos inseticidas”.

Conforme o profissional, “as recomendações são estabelecidas através de protocolos operacionais de utilização de inseticidas para controle de vetores, notas técnicas e Diretrizes Nacionais para Prevenção e Controle de Epidemias de Dengue, do Ministério da Saúde”, explica.

Segundo apurado pelo Plox, o carro de “fumacê” que circulou por Ipatinga utilizou outro remédio na aplicação no combate ao Aedes Aegypti. A SES-MG orienta que “outros produtos diferentes dos mencionados não podem ser usados na aplicação espacial UBV”.

O remédio usado pelo “fumacê” em Ipatinga não está na lista dos orientados pela OMS e MS. Foto: PMI/Divulgação.

Entenda

Em 2023, Ipatinga, no Vale do Aço, enfrenta uma alta taxa de infestação de arboviroses, principalmente de dengue. O resultado do segundo Levantamento de Índice Rápido de Infestação por Aedes aegypti (LIRAa) divulgado em maio, revelou que foram encontrados lavas do mosquito em 3,6% dos imóveis. Além disso, conforme os dados do “Painel de Monitoramento de Casos” da Secretaria Estadual de Minas Gerais (SES-MG), atualizado nessa segunda-feira (24), o município tem 9.791 casos confirmados de dengue e 4.852 de chikungunya. Um caso de cada doença evoluiu para óbito.

Um dos métodos que o município encontrou para tentar controlar o Aedes Aegypti foi utilizar a aplicação espacial de inseticidas em Ultra Baixo Volume (UBV), o famoso “fumacê”.

De acordo com o documento obtido via Lei de Acesso à Informação (LAI) no dia 02 de fevereiro, a Unidade Regional de Saúde (URS), localizada em Coronel Fabriciano e que tem sob jurisdição todas as cidades do Vale do Aço, não solicitou à Secretaria de Estado de Saúde inseticidas para serem utilizados nos fumacês.

“No ano corrente, esta Coordenação ainda não recebeu das URS's de Governador Valadares e Coronel Fabriciano solicitação de inseticida para ser utilizado na atividade de UBV veicular ‘Fumacê’”, diz o documento.

Trecho de documento recebido via LAI.


 

No entanto, posteriormente, por meio de uma nota, a SES-MG informou haver estoques dos do inseticidas Fludora Co-Max e Cielo UVL, e que o estoque é “distribuído ao município por meio de solicitação no Sistema de Informação de Insumos Estratégicos (SIES)”. “A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), por meio da Superintendência Regional de Saúde (SRS) de Coronel Fabriciano, informa que existem 12 quilos e 500 gramas do inseticida Fludora Co-Max (sendo que cem gramas do material são diluídos em dez litros de água para aplicação) e 190 litros do inseticida Cielo UVL. Esses produtos são utilizados para ações de combate ao mosquito Aedes aegypti. Esse estoque é distribuído ao município por meio de solicitação no Sistema de Informação de Insumos Estratégicos (SIES)”, diz a nota.

Combate ao Aedes Aegypti em Ipatinga

Segundo a Prefeitura de Ipatinga, a administração municipal decidiu realizar um contrato com a empresa CONTROLMINAS, uma dedetizadora com sede em Coronel Fabriciano, que usou o inseticida BIFENTRINA no fumacê. “Informamos que o produto utilizado é a BIFENTRINA, conforme informações prestadas pela CONTROLMINAS, empresa responsável pelo fumacê, conforme contrato vigente com a SMS, a prestação é realizada conforme a indicação epidemiológica e nos horários estratégicos”, diz a resposta enviada no dia 14 de fevereiro, após solicitação também através da LAI.

Resposta dada pela Saúde de Ipatinga que comprova o uso de BIFENTRINA no “fumacê”. 


Vale ressaltar que o uso do “fumacê” no município de Ipatinga iniciou no dia 23 de janeiro. A nossa reportagem entrou em contato com a prefeitura de Ipatinga e com a CONTROLMINAS, indagando o motivo do uso de BIFENTRINA, sendo que a SES-MG e demais órgão pedem que usem os remédios  Flupiradifurone + Transflutrina (Fludora Co-Max) e Imidacloprida + Praletrina (Cielo UVL). E na falta deles, o “Icon ubv, Malathion ew 44, e Cielo UVL.

Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde explicou que “a empresa  Detetizadora Controlminas Eireli foi requsitada para prestar auxílio ao município no combate aos casos de arboviroses, tais como dengue, zika e chikungunya, que são desafios constantes em nosso cenário de saúde pública. Ressaltamos que a referida empresa foi contratada pela administração pública para prestar o serviço de aplicação de inseticida com UBV FUMACÊ VEICULAR e é a responsável pela aquisição dos produtos utilizados no manejo dessas doenças, estando a cargo dela a correta seleção, aquisição e distribuição dos insumos necessários”. Veja a nota completa no final da matéria.

Já a empresa, em contato com a nossa reportagem via WhatsApp, informou que não tinha interesse em se manifestar sobre o assunto.

Em resposta enviada a nossa equipe, a prefeitura de Ipatinga informou que o “fumacê” foi aplicado em três ciclos. Veja a nota:

“O carro fumacê circulou em todos os bairros de Ipatinga em três ciclos. O primeiro ciclo ocorreu de 21 de janeiro a 8 de fevereiro. O segundo ciclo aconteceu de 1º de março a 5 de abril. O terceiro ciclo ocorreu de 2 de maio a 29 de maio. Além disso, os agentes de endemias continuam realizando ações diárias nos bairros de Ipatinga, utilizando bomba costal, principalmente nos fins de semana”. 

A SES-MG informou que, quando os remédios certos são utilizados, o efeito é notado quase que imediatamente “com a diminuição de casos de infestação”. “Esses produtos são aprovados após estudos de efetividade relacionados às mutações do mosquito Aedes aegypti e à resistência criada pelo inseto a alguns inseticidas periodicamente. A efetividade da aplicação espacial UBV pode ser notada em menos de um mês, com a diminuição de casos de infestação”, esclareceu a SES.

Foto: Plox.

Números de casos por semana em Ipatinga

Entenda a semana epidemiológica

Em nota enviada à nossa reportagem, a SES-MG, por meio da SRS de Coronel Fabriciano, informou que na falta dos remédios permitidos pela OMS e Anvisa, o município não deve usar o “fumacê”. “Outros produtos diferentes dos mencionados não podem ser usados na aplicação espacial UBV, pois não são aprovados pela OMS e ANVISA, e não oferecem efetividade no combate ao mosquito Aedes aegypti.”(Leia a nota na íntegra ao final da matéria).

Os argumentos do enfermeiro Fabiano, apresentados no começo da reportagem, vão ao encontro do documento enviado pelo órgão público. “A falta de inseticida fornecido pelo Ministério da Saúde possibilita ao gestor local a aquisição, porém, tal aquisição deve ser de inseticidas recomendados pelo próprio Ministério [da Saúde] para uso em escala sobre a população.”

O especialista informou que o uso da BIFENTRINA pode ser usada contra o mosquito transmissor da dengue, mas não deve ser utilizado em fumacê, e sim em outro tipo de equipamento para ser aplicado em lugares bem específicos. “O veneno [BIFENTRINA] utilizado do grupo dos piretróides mata mosquitos adultos. Já foi utilizado para controle perifocal, significa que locais de difícil remoção de reservatórios, pontos estratégicos como oficinas, locais de reciclagem, locais de carros abandonados, onde há focos de mosquitos que são difíceis de remover, são ideais para receber este tipo de inseticida. A aplicação residual do bifentrina deve ser realizada com equipamento adequado, recomendado para este tipo de aplicação (bombas costais)”.
O profissional da saúde também explicou os principais impactos que o uso de BIFENTRINA no “fumacê” pode ocasionar nas pessoas, fauna e flora. Conforme dos Anjos, a comunidade está potencialmente exposta através “da boca, pele e vias respiratórias”, e que a contaminação oral “pode se dar por ingestão de alimento com o inseticida e a contaminação pela via respiratória ou pele pode se dar desde a aplicação de um inseticida de uso doméstico até o contato com o inseticida aplicado na cidade para controle de mosquitos transmissores de doenças”. 

Ele argumenta que “para humanos são pouco tóxicos do ponto de vista agudo”. No entanto, o remédio pode causar irritações nos olhos e mucosas, e hipersensibilizantes, “podendo causar alergia de pele e asma brônquica, em doses muito elevadas podem provocar neuropatias, possui alta toxicidade em ambientes aquáticos”, completa o enfermeiro.

A SES-MG diz que remédios usados no “fumacê” diferentes dos orientados e aprovados pela OMS podem “representar riscos à saúde da população humana e da população de outros insetos necessários para o ecossistema”.

Para Fabiano, os riscos de exposição são maiores para crianças e animais domésticos, visto que o inseticida se espalha nos ambientes e no solo. “Tem ação direta sobre insetos, borboletas, grilos, joaninhas, abelhas, e pode intoxicar outros animais como pássaros, gato, cachorro”, entre outros.

O sanitarista ainda explica que “tais exposições devem ser avaliadas e o gerenciamento do risco deve ser outorgado às autoridades”.

Leia na íntegra a nota da SES-MG informando sobre os inseticidas a serem utilizados no Fumacê

“A Secretaria de Estado de Saúde, por meio da Superintendência Regional de Saúde de Coronel Fabriciano, informa que os inseticidas utilizados para aplicação espacial em Ultra Baixo Volume (UBV), popularmente conhecido como “fumacê”, são fornecidos pelo Ministério da Saúde e estão disponíveis para solicitação por meio do Sistema de Insumos Estratégicos em Saúde (SIES). São eles: Flupiradifurone + Transflutrina (Fludora Co-Max) e Imidacloprida + Praletrina (Cielo UVL).

A orientação aos municípios, emitida pelo Ministério da Saúde, para a aquisição de inseticidas, quando não houver estoque suficiente, é adquirir produtos registrados na Organização Mundial de Saúde e na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que são: Icon ubv e Malathion ew 44.

Ressalta-se que o uso desses produtos é indicado apenas em situações emergenciais para bloquear casos, quando todas as outras alternativas de controle forem insuficientes para conter a transmissão das arboviroses urbanas.”

Leia na íntegra a nota da SES-MG alertando que inseticidas diferentes dos informados não podem ser utilizados no “fumacê”

“A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), por meio da Superintendência Regional de Saúde (SRS) de Coronel Fabriciano, informa que os inseticidas utilizados para aplicação espacial em Ultra Baixo Volume (UBV), popularmente conhecido como "fumacê", são fornecidos pelo Ministério da Saúde e estão disponíveis para solicitação por meio do Sistema de Insumos Estratégicos em Saúde (SIES). São eles: Flupiradifurone + Transflutrina (Fludora Co-Max) e Imidacloprida + Praletrina (Cielo UVL).

Neste ano, a orientação aos municípios, emitida pelo Ministério da Saúde, para a aquisição de inseticidas, devido à falta de estoque suficiente, é adquirir produtos registrados na Organização Mundial de Saúde (OMS) e na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que são: Icon ubv, Malathion ew 44, e Cielo UVL. Esses produtos são aprovados após estudos de efetividade relacionados às mutações do mosquito Aedes aegypti e à resistência criada pelo inseto a alguns inseticidas periodicamente. A efetividade da aplicação espacial UBV pode ser notada em menos de um mês, com a diminuição de casos de infestação.

Outros produtos diferentes dos mencionados não podem ser usados na aplicação espacial UBV, pois não são aprovados pela OMS e ANVISA, e não oferecem efetividade no combate ao mosquito Aedes aegypti. Além disso, a aplicação de tais produtos pode representar riscos à saúde da população humana e da população de outros insetos necessários para o ecossistema.”

Leia na íntegra a nota da prefeitura de Ipatinga

"A Secretaria de Saúde de Ipatinga vem, por meio desta nota, esclarecer e reiterar o compromisso com a transparência e a lisura em todas as suas atividades. 
A empresa  Detetizadora Controlminas Eireli foi requsitada para prestar auxílio ao município no combate aos casos de arboviroses, tais como dengue, zika e chikungunya, que são desafios constantes em nosso cenário de saúde pública. Ressaltamos que a referida empresa foi contratada pela administração pública para prestar o serviço de aplicação de inseticida com UBV FUMACÊ VEICULAR e é a responsável pela aquisição dos produtos utilizados no manejo dessas doenças, estando a cargo dela a correta seleção, aquisição e distribuição dos insumos necessários.

A Secretaria de Saúde de Ipatinga reforça o compromisso em seguir rigorosamente as normas estabelecidas para a contratação de empresas parceiras, buscando sempre aquelas com experiência comprovada e idoneidade no mercado. Todos os processos de aquisição seguem os trâmites legais, com base em critérios técnicos e no princípio da impessoalidade".
 


 


 


 


 


 


 

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