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Esportes
Centésima edição e recorde de atletas: a trajetória histórica da Corrida de São Silvestre
Criada em 1925 por Cásper Líbero, prova paulistana evoluiu de corrida nacional à competição internacional com mais de 50 mil inscritos, ídolos brasileiros e estrangeiros e forte simbolismo de fim de ano
29/12/2025 às 09:33por Redação Plox
29/12/2025 às 09:33
— por Redação Plox
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Em uma viagem a Paris, em 1924, o jornalista Cásper Líbero se encantou com uma corrida noturna em que os atletas corriam com tochas nas mãos. A experiência foi tão marcante que ele decidiu criar algo semelhante em São Paulo, sempre no último dia do ano. Assim nasceu, em 31 de dezembro de 1925, a primeira Corrida de São Silvestre, batizada em homenagem ao santo do dia.
Mais de 50 mil corredores estão inscritos.
Foto: Reprodução / Agência Brasil.
A São Silvestre foi uma ideia do jornalista, empresário e advogado Cásper Líbero. Ele estava passeando por Paris em 1924 e assistiu uma prova em que os corredores empunhavam tochas, fazendo um efeito super lindo à noite, com aquela vibração toda. Ele gostou, se entusiasmou e trouxe a ideia para o Brasil, para São Paulo. E já em 1925 ele criou a primeira edição da corrida de São Silvestre. Na época, inclusive, São Silvestre era escrito com Y. Foi aí que nasceu a nossa prova, que hoje está completando a sua centésima edição
Eric Castelheiro
Na estreia, a prova foi disputada na virada do ano. Havia 60 inscritos, mas apenas 48 largaram do Parque Trianon, na Avenida Paulista, às 23h40. O percurso de 8,8 mil metros pelas ruas de São Paulo teve como vencedor Alfredo Gomes, que completou a distância em 23m19s.
Alfredo Gomes, atleta negro, já se destacava antes mesmo da São Silvestre. Em 1924, representou o Brasil nos Jogos Olímpicos de Paris, tornando-se o primeiro negro a defender o país em uma Olimpíada.
Desde a estreia, a prova se consolidou como a corrida de rua mais tradicional e conhecida do Brasil. Só deixou de ser disputada em 2020, por causa da pandemia de covid-19. Em 2024, completou 100 anos de história e, em 2025, alcança sua centésima edição, com um recorde de mais de 50 mil corredores inscritos.
Da fase nacional ao cenário internacional
Nas primeiras edições, apenas atletas brasileiros podiam participar. A partir de 1927, a organização passou a aceitar estrangeiros residentes no Brasil. Foi nesse contexto que o italiano Heitor Blasi, radicado em São Paulo, venceu as provas de 1927 e 1929, tornando-se o único estrangeiro campeão na fase chamada de nacional, que durou até 1944.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, a São Silvestre abriu espaço para atletas de outros países, inicialmente só da América do Sul. Dois anos depois, tornou-se efetivamente internacional, dando início a um período de 34 anos sem vitórias brasileiras. Esse jejum só foi quebrado em 1980, com o triunfo do pernambucano José João da Silva. As mulheres começaram a competir em 1975, em prova vencida pela alemã Christa Valensieck.
A vitória que parou o país
Em entrevista ao programa Caminhos da Reportagem, da EBC, o ex-atleta e empresário José João da Silva lembrou a emoção ao quebrar o tabu de mais de três décadas sem vitória brasileira. Ele descreve a cena de lágrimas, gritos e comoção ao cruzar a linha de chegada, sendo apontado como o primeiro brasileiro a vencer a São Silvestre na era internacional.
Nascido em Pernambuco, José João começou a trabalhar ainda criança nas roças. Ele conta que não fazia ideia do impacto que aquela conquista teria em sua vida e na percepção do público sobre a prova, descrevendo como a vitória mudou totalmente seu cotidiano e ganhou dimensão nacional.
Para a organização da corrida, um brasileiro como José João que vence a São Silvestre se converte em uma espécie de herói popular. O diretor da prova destaca que esses atletas, por estarem em um evento de grande alcance e tradição, se transformam em ídolos. A figura do corredor de rua aparece como um “super-herói humano”: alguém que realiza feitos impressionantes, mas continua próximo da realidade das pessoas.
Ídolos que inspiram novos corredores
Esse tipo de identificação se fortaleceu com nomes como o de Marilson Gomes dos Santos, o brasileiro que mais vezes venceu a São Silvestre na era internacional, com três conquistas: 2003, 2005 e 2010.
Marilson relata que a torcida brasileira é intensa, independentemente da modalidade, e que na São Silvestre esse apoio é ainda mais visível. Ele afirma que muita gente passou a correr ou a participar de provas de rua depois de vê-lo competir e vencer na Avenida Paulista, especialmente em 2003.
Entre as mulheres, a trajetória de Maria Zeferina Baldaia é um dos exemplos mais marcantes. Campeã da prova em 2001, ela trabalhou por 20 anos como boia-fria em lavouras. Conta que, desde criança, aproveitava o horário de almoço para correr pelos carreadores – as estradas largas que separam os canaviais – e que ali começou sua relação com a corrida.
Durante 15 anos, Maria Zeferina correu descalça, porque não tinha condições de comprar um tênis. Mesmo enfrentando cacos de vidro pelo caminho e o sol forte, manteve o objetivo de ajudar a família e continuou treinando nessas condições, até se firmar como referência no esporte.
Do sonho à referência para outras mulheres
O desejo de correr a São Silvestre nasceu quando ela assistiu, na casa de uma vizinha, a uma vitória da portuguesa Rosa Mota, que conquistaria seis títulos na prova. Impressionada ao ver “uma mulher pequenininha” ganhar em São Paulo, correu para casa e perguntou à mãe se um dia também poderia participar daquela corrida.
Quinze anos depois de ver pela televisão a última vitória de Rosa Mota, Maria Zeferina realizou o sonho e cruzou a linha de chegada em primeiro lugar, tornando-se inspiração para muitas outras mulheres.
Ela relata que, após sua vitória, passou a ser procurada por mães, mulheres e meninas que dizem querer ser como Maria Zeferina. A atleta afirma que, assim como Rosa Mota foi seu ídolo e inspiração, hoje ela própria se tornou referência, motivação e espelho para outras pessoas, algo que considera impagável.
O reconhecimento também veio em sua cidade. O centro olímpico de Sertãozinho, no interior paulista, recebeu seu nome, eternizando sua trajetória e incentivando novas gerações. Maria Zeferina destaca a emoção de continuar treinando no local e ver crianças, jovens e adultos repetindo o que ela ainda faz: correr.
A imagem do possível
Para a atleta e personal trainer Martha Maria Dallari, a história de Maria Zeferina tem uma força especial. Ela ressalta que Zeferina é uma marca potente por ser uma mulher brasileira, vencedora e, ao mesmo tempo, extremamente acessível e acolhedora no contato com o público.
Martha lembra que a corredora não nasceu atleta: cortou cana, teve uma vida dura no campo e depois se tornou campeã, o que a transforma na imagem do possível para muita gente. Segundo ela, o corredor de rua é visto como alguém muito próximo do público, porque divide o mesmo asfalto e o mesmo percurso. Muitos amadores carregam o orgulho de ter feito a mesma prova que nomes como Zeferina e Marilson, o que cria uma ligação forte com esses ídolos.
Maiores vencedores e marcas brasileiras
No quadro geral de conquistas, a maior vencedora da São Silvestre é a portuguesa Rosa Mota, com seis vitórias consecutivas no início dos anos 1980. Em seguida aparece o queniano Paul Tergat, com cinco títulos. Entre os brasileiros, o destaque é Marilson Gomes dos Santos, com três vitórias.
Desde 1945, quando a corrida se internacionalizou, atletas do Brasil venceram a prova 16 vezes, sendo 11 no masculino e cinco no feminino. Entre os homens, a última vitória brasileira foi a de Marilson, em 2010. Entre as mulheres, a conquista mais recente é de 2006, com Lucélia Peres.
Marilson, que correu diversas provas no exterior, afirma que disputar a São Silvestre “em casa”, no último dia do ano, com comemorações, torcida nas ruas e transmissão pela TV, tem uma energia única. Para ele, a corrida é uma prova que qualquer atleta deseja ganhar e para a qual é preciso se preparar como se fosse “a prova da vida”.
Prova democrática e para todos os públicos
Atualmente, a São Silvestre é aberta a diversos perfis de participantes. Há largadas específicas para a elite feminina e masculina, cadeirantes, demais atletas com deficiência e corredores amadores. A corrida também ganhou uma versão voltada para crianças e adolescentes, a São Silvestrinha, realizada em outro dia, no Centro Olímpico do Ibirapuera.
Segundo a direção da prova, a organização adota um sistema de ondas de largada. A programação começa às 7h25, com atletas PCDs e cadeirantes de alto rendimento, habituados a campeonatos mundiais e paralímpicos. Às 7h40 é a vez da elite feminina, com corredoras de ponta de vários países. Às 8h05, larga a elite masculina, dividida em dois pelotões – A e B –, organizados por nível técnico, com os atletas mais rápidos à frente. Em seguida, partem os demais pelotões e o grande público.
Esse modelo contribui para tornar a prova mais organizada e acessível, reforçando a característica democrática da São Silvestre, que reúne corredores de diferentes regiões do Brasil e do mundo, com níveis variados de preparo.
Histórias, metas e celebração de fim de ano
A direção da corrida costuma definir a São Silvestre como uma das competições mais democráticas do esporte e até do entretenimento. Nem todos vão para disputar posição: muitos participam para cumprir metas pessoais, superar marcas próprias ou realizar um sonho. Cada um chega com um objetivo, e todos são acolhidos na mesma festa de fim de ano.
Para Martha Maria Dallari, esse é justamente o grande diferencial da prova: as histórias de quem resolve correr, desafiar limites, reencontrar amigos e celebrar a chegada do ano novo. Ela acrescenta que as corridas de rua ajudam a população a se reconectar com a cidade e a se apropriar do espaço público.
Ao percorrer a São Silvestre, o participante passa por alguns dos locais mais emblemáticos de São Paulo e por pontos históricos importantes. Essa travessia, afirma Martha, é também uma forma de se ligar à memória da cidade e às paisagens que marcam sua identidade.