Pé de lótus: a dolorosa tradição que deformou pés de mulheres na China
Esse ideal de beleza levava as meninas, desde tenra idade, a submeterem-se a um processo doloroso de esmagamento dos pés, para que eles coubessem em pequenos sapatos de seda
Por Plox
30/08/2024 09h14 - Atualizado há 8 meses
Durante séculos, a prática do "foot binding" marcou a sociedade chinesa, impondo uma dolorosa deformação nos pés das mulheres para atender aos padrões de beleza e submissão exigidos pela sociedade patriarcal. Essa tradição, que começou no século X e persistiu até o início do século XX, impactou gerações, levando a danos físicos e psicológicos irreversíveis.

A origem e a difusão da prática
A prática do pé de lótus teve início durante o período das Cinco Dinastias e Dez Reinos e se popularizou especialmente durante a dinastia Qing, entre 1635 e 1912. As mulheres eram ensinadas que seus pés deveriam ser extremamente pequenos para serem consideradas atraentes e, portanto, dignas de casamento. Esse ideal de beleza levava as meninas, desde tenra idade, a submeterem-se a um processo doloroso de esmagamento dos pés, para que eles coubessem em pequenos sapatos de seda.

Acredita-se que a origem do pé de lótus esteja ligada a uma dançarina da corte do século X, chamada Yao Niang, que teria amarrado seus pés na forma de uma lua crescente para se apresentar ao imperador Li Yu, dançando sobre um lótus dourado de 1,80 metro, adornado com fitas e pedras preciosas. Inspiradas pela delicadeza e pelo apelo erótico atribuído a Yao Niang, outras mulheres da corte começaram a amarrar seus pés para adquirir um corpo similar, dando início à tradição que se perpetuou por séculos.

Impactos sociais e repressão feminina
Além do aspecto estético, a prática serviu como uma ferramenta de controle social sobre as mulheres. Com os pés deformados, elas tinham mobilidade limitada, sendo relegadas a atividades domésticas e de artesanato, como fiar algodão, sem qualquer envolvimento nos assuntos externos ou na vida pública. Era uma maneira de mantê-las sob controle, reforçando a ideia de que o papel feminino deveria ser restrito ao ambiente doméstico.

As consequências médicas e físicas dessa prática foram graves e permanentes. As mulheres eram forçadas a reaprender a andar, com os pés em posições dolorosas, o que frequentemente resultava em problemas de saúde irreversíveis. Muitos estudos antropológicos documentaram os impactos sociais e médicos do pé de lótus, mas as consequências médicas foram amplamente negligenciadas pela sociedade da época.

Os padrões do pé de lótus
Existiam diferentes categorias de pés de lótus, sendo o "lótus dourado" de 10 centímetros o mais valorizado. Pés maiores, acima de 15 centímetros, eram chamados de "lótus de ferro" e vistos como inaceitáveis para casamento, condenando as mulheres a um futuro sem perspectivas. O processo de deformação envolvia quebrar os dedos dos pés, prendê-los sob a sola e amarrar firmemente, causando intensa dor e limitações físicas significativas.

Relatos de sobreviventes e a proibição
Em 2015, o fotógrafo Jo Farrell documentou as últimas sobreviventes dessa prática em seu projeto "Farrell Living History: Bound Feet Women of China". Ele começou em 2005 na província de Shandong, onde conheceu Zang Yun Ying, uma idosa que ainda possuía os pés enfaixados, resquício de uma tradição quase extinta. Ao longo de nove anos, Farrell encontrou cerca de 50 mulheres com idades avançadas, a mais velha delas com 103 anos, e relatou ao The Guardian sobre o intenso sofrimento que enfrentaram, especialmente no primeiro ano de amarração, considerado o mais doloroso.
As mulheres relatavam que, após anos de dor constante, seus pés ficavam dormentes, e eventualmente elas deixavam de sentir qualquer coisa. “Depois disso, os dedos dos pés ficavam dormentes e, 50 ou 60 anos depois, elas paravam de sentir dor, ou de sentir os pés. Ficava tudo entorpecido”, afirmou Farrell.
A prática foi oficialmente proibida na década de 1950, durante o governo de Mao Zedong, que buscava modernizar a China e romper com tradições antigas que não se alinhavam com os novos ideais do país. A proibição envolveu a atuação de fiscais anti-amarração que humilhavam publicamente as mulheres com pés de lótus, visando desencorajar a continuação dessa prática brutal.