Não perca nenhuma notícia que movimenta o Brasil e sua cidade.
É notícia? tá no Plox
Saúde
Queima de fogos nas festas de fim de ano causam sofrimento a autistas, idosos com demência e bebês
Especialistas alertam para crises sensoriais, delírios, piora cognitiva e danos ao sono provocados por estampidos, defendem alternativas silenciosas e cobram fiscalização das leis
31/12/2025 às 08:32por Redação Plox
31/12/2025 às 08:32
— por Redação Plox
Compartilhe a notícia:
Tradição em festas de fim de ano, a queima de fogos de artifício pode trazer consequências importantes para parte da população mais sensível aos ruídos intensos e prolongados. Entre os grupos mais afetados estão idosos, crianças pequenas e pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), para quem o barulho pode representar muito mais do que um incômodo passageiro.
Ruídos prolongados também afetam crianças pequenas e idosos.
Foto: Reprodução / Agência Brasil.
O neuropediatra Anderson Nitsche, professor da Escola de Medicina e Ciências da Vida da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), explica que, no caso de pessoas autistas, os efeitos do barulho não ficam restritos ao momento da virada do ano. Segundo ele, por apresentarem maior sensibilidade auditiva, essas pessoas podem ter perturbações que se estendem por dias, incluindo dificuldades para dormir.
Crise sensorial e impacto no comportamento
Diante do barulho intenso, pessoas no espectro autista podem entrar em um quadro conhecido como crise sensorial. Nessa situação, o estímulo sonoro desencadeia alterações de comportamento que podem ir de ansiedade e necessidade de fugir do ambiente até episódios de agressividade, seja contra si mesmas, seja contra quem está por perto.
A neurologista Vanessa Rizelio, diretora clínica do Hospital INC (Instituto de Neurologia de Curitiba), destaca que pessoas com TEA têm dificuldade para associar o ruído alto e prolongado à ideia de comemoração. Para elas, o som intenso gera uma sensação desagradável que não é bem processada pelo cérebro, desencadeando reações como ansiedade, irritabilidade e prejuízos no sono, com reflexos no dia seguinte.
Fundadora da Associação de Neurologia do Estado do Rio de Janeiro (ANERJ), a neuropediatra Solange Vianna Dultra acrescenta que, nesses casos, o corpo reage ao barulho com uma descarga de adrenalina: o coração acelera, a pressão arterial sobe e o organismo entra em estado de alerta. Para muitas dessas pessoas, a situação se assemelha a estar em meio a um tiroteio, e até mesmo o barulho de recreio escolar pode ser suficiente para desregulá-las.
Fogos silenciosos, luzes e drones como alternativas
Diante desses impactos, algumas cidades brasileiras têm revisado a prática de queimas de fogos barulhentas em comemorações públicas, adotando legislações que restringem ou proíbem artefatos ruidosos. Ganham espaço os fogos sem estampido, os espetáculos de luzes e as apresentações com drones, que preservam o simbolismo da celebração sem impor um custo sensorial tão alto a parte da população.
Para a psicóloga Ana Maria Nascimento, especialista em neuropsicologia e em saúde mental, essas alternativas mantêm o caráter coletivo da festa e ampliam as possibilidades de participação. Em um contexto em que já existem tecnologias que reduzem o barulho, ela observa que a insistência no uso de fogos ruidosos pode ser interpretada como um gesto de indiferença em relação a quem sofre com o ruído.
Na avaliação de Solange Vianna, o sofrimento provocado pelos fogos não recai apenas sobre a criança autista, mas sobre toda a família, que se mobiliza para tentar protegê-la. No caso dos fogos silenciosos, a especialista ressalta que a luminosidade não costuma ser um problema tão grande e pode ser manejada mantendo a criança distante de janelas e varandas.
Empatia, inclusão e prevalência do autismo
Anderson Nitsche reforça a importância de a sociedade olhar para a questão com mais empatia e adaptar tradições para permitir que pessoas com TEA sejam incluídas nas festividades, em vez de afastadas por causa do barulho. Para ele, acolher e compreender o sofrimento gerado por práticas culturais é parte fundamental do processo de inclusão.
O especialista lembra que o autismo tem prevalência mundial em torno de 3% da população e que nem todas as pessoas autistas apresentam alterações sensoriais auditivas. Ainda assim, ele ressalta que a empatia deve orientar o debate, especialmente quando a liberdade de uma pessoa — ou de um grupo — acaba gerando sofrimento desnecessário para outras.
Idosos com demência e bebês também sofrem
Os idosos, especialmente aqueles com demência, compõem outro grupo vulnerável ao barulho intenso dos fogos. De acordo com Vanessa Rizelio, a dificuldade de processar informações pode levar esses pacientes a surtos de delírios e alucinações durante as queimas, com impacto negativo sobre o sono, a memória e o raciocínio no dia seguinte.
Os bebês também são afetados pelo ruído, já que precisam de períodos de sono mais longos e estáveis do que crianças maiores e adultos. Quando são despertados continuamente ou têm dificuldade para adormecer por causa dos fogos, acumulam prejuízos no descanso. Vanessa observa que o problema se agrava porque os artefatos começam a ser disparados horas antes da meia-noite, com aumento gradual do barulho até o ápice.
Medidas de proteção e necessidade de fiscalização
Para reduzir o impacto do som em casa, especialistas indicam estratégias como o uso de ruído branco — sons contínuos que mascaram o estouro dos fogos — ou de abafadores de ouvido, no caso de crianças maiores. Essas medidas podem ajudar a atenuar a sobrecarga sensorial e a proteger o sono.
Vanessa Rizelio chama atenção ainda para o fato de que, embora muitas cidades brasileiras já tenham leis que proíbem a venda e o uso de fogos de artifício barulhentos, a fiscalização costuma ser falha. Na prática, fogos com estampido continuam sendo usados em larga escala em comemorações, especialmente na virada do ano, o que, para a especialista, reforça a urgência de uma mudança de comportamento e de maior rigor no cumprimento das normas.